Um país que cresce no papel

0
855

Costumava-se dizer que o Brasil só cresce à noite enquanto os agentes públicos dormem. Hoje, o País cresce de dia enquanto eles fazem a economia aumentar por meio da chamada “contabilidade criativa.” Mas, a miséria do povo vai aumentando porque o crescimento é irreal, enquanto a pobreza é real.

Citemos alguns exemplos. O superávit primário significa todos os recursos financeiros que ingressaram no País, em determinado período, menos todos os recursos que saíram do País, no mesmo período, sem computar, contudo, as saídas para pagamento do serviço da dívida. Com tal conceito a Grécia seria um País com contas públicas equilibradas. Amanhã poderá surgir o superávit secundário para excluir as enormes despesas com as intermináveis viagens internacionais das autoridades. Outro exemplo: o recebimento antecipado de dividendos por conta de lucros presumidos. O governo abocanhou do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) 12,9 bilhões em 2012, quando o balanço final apurou um lucro de apenas 8,1 bilhões. Na Caixa Econômica Federal, o governo, no mesmo ano, embolsou 7,7 bilhões enquanto o lucro foi de 6,4 bilhões. Por isso, o BNDS, no período de março de 2011 a março de 2013, sofreu uma redução de 38% em seu patrimônio, enquanto os bancos privados no mesmo período apresentaram um crescimento médio de 25%.

Campeã absoluta em maquiagens contábeis é a Petrobras, que perdeu a autossuficiência na produção de petróleo e derivados, deixando de cumprir a finalidade do monopólio estatal. Porém, ela vem distribuindo dividendos fantásticos. Sem recursos reais para explorar a camada do pré-sal, redescoberta em 2006, criou-se a “Sete Brasil” para fabricar sondas e navios-sondas ao custo de mais de U$40 bilhões. Esses navios e sondas estão sendo locados à Petrobras à medida de sua fabricação. Agora, fala-se em criar a “Oito Brasil” para vender à nova empresa as valiosas Plataformas para, em seguida, alugá-las, isto é, as Plataformas sequer saem do lugar. O Banco Central, por sua vez, já está fazendo operações promíscuas com o Tesouro, passo que antecede a fusão de caixas.

Assim, o País está navegando sobre um rio de dinheiro, mas com um casco de vidro que poderá romper-se a qualquer momento.

Nunca um governo empenhou-se tanto quanto o atual nas maquiagens de resultados fiscais ao invés de cuidar da saúde financeira do Estado, como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal, que tem sido a pedra no sapato do governante. Por isso, querem transformá-la em Lei de Irresponsabilidade Fiscal, inclusive com a ajuda do Legislativo por razões de conveniência do momento (v. PLC nº 283/13).

Recentemente, a Presidente anunciou um aporte de capital para a Prefeitura paulistana destinado à área de mobilidade social. Mais uma das equivocadas respostas à manifestação popular que teve início com a questão da tarifa de ônibus. Recomendou à equipe jurídica do Planalto um esforço concentrado para excluir aqueles gastos com a mobilidade social do âmbito das despesas públicas. O Ministro da Fazenda prontamente declarou-se contrário à alteração da LRF. Claro! Afinal, nenhuma lei poderia transformar o preto no branco.
Para encerrar, o regime democrático de governo, aonde as decisões políticas mais relevantes são tomadas pelo povo, por meio de representantes eleitos, está evoluindo para o regime do despotismo, aonde apenas uma só pessoa governa, sem leis e sem regras preestabelecidas, tudo ao sabor da idiossincrasia.

Só que o despotismo pressupõe um líder carismático capaz de se sobrepor à vontade popular.

Uma pessoa sem carisma ao exercer o despotismo criará atritos de monta com autoridades de outros Poderes, desencadeando um perigoso impasse institucional.

 

Kiyoshi Harada é Jurista, acadêmico e escritor. Preside o Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social (Bunkyo). Contato: harada@haradaadvogados.com.br