Quase sempre ela chega tão de mansinho que a gente quase não percebe. Uma coisinha ali, outra aqui, até que um dia a gente acaba esquecendo do nome do nosso melhor amigo. E não tem jeito: quando chega, não bate na porta e se entra é para nunca mais sair…
É a hora da verdade chegando. Verdade que muitos tentam postergar com futilidades, como pintar os cabelos, fazer uma plástica ou andar com roupas escandalosamente jovens. Muita gente até namora brotinhos na tentativa de espantar a danada. Mas, o tempo passa e a verdade vai ficando cada vez mais evidente. Se é certo que vai acontecer, por que a maioria dos pré-idosos não se prepara para enfrentá-la?
Tenho plena consciência que a minha hora da verdade não está longe. De mansinho, ela vive a espreitar o meu cotidiano. Não demora muito e vai colocar as manguinhas para fora. Mas ainda não me sinto velho, se é que um dia sentirei. Porque a verdade pode pegar o corpo, mas a cabeça depende de nós mesmos. E, enquanto ela funcionar, eu me recuso a envelhecer. Tenho plena consciência que o corpo vai envelhecer, aliás, já está envelhecendo, e aí não tem jeito. Funcionar uma mente jovem num corpo envelhecido, eis o segredo para uma velhice feliz.
Além da filosofia, existe o lado prático e neste só vontade não basta, é preciso planejamento e preparação, porque para a maioria, a vaca vai começar a emagrecer (fim do tempo das vacas gordas) e se não se cuidar, vai mesmo para o brejo. É aconselhável que a adequação a um novo patamar de gastos seja feita paulatinamente, quando ainda estiver na ativa, de forma que, quando for necessário viver só da aposentadoria e de outras pequenas rendas (que não seja a mesada dos filhos), a passagem não seja traumática. Muita gente sofre – e como sofre – quando é obrigada a baixar repentinamente o padrão de vida. Diminuir as estrelas do hotel que hospeda, trocar o carro por um modelo menos sofisticados, roupas simples sem grife… fazer isso enquanto não precisa, não traz grandes traumas. Ser obrigado a fazer isso, de uma hora para outra, isso sim pode vir a ser extremamente doloroso.
E tem a questão dos filhos. Uma decisão sábia, se as condições financeiras permitirem, é de jamais dividir o teto com os filhos. Os pequenos atritos rotineiros quase sempre acabam com a boa convivência que deve existir entre pais e filhos. E isso deve ser mantido mesmo com o avançar da velhice. Foi e está sendo penoso para muitos sessentões, cuidar dos pais idosos, mas como a carga é dividida por vários irmãos, a tarefa é possível. Para a próxima geração, com a média de dois filhos, a questão passa de penoso para impossível. Iludem os que pensam que os filhos, por mais bons e compreensivos que sejam, irão cuidar dos pais idosos, sacrificando seus afazeres profissionais, sociais e familiares. E é injusto e não cabe mais passar para os filhos esta carga. Os pré-idosos têm que estar conscientes (e se preparar psicologicamente para tal) que na perda da independência física, se não puderem mais morar sozinhos, o melhor caminho é uma casa de repouso, sob os cuidados de profissionais qualificados.
E finalmente vem a questão crucial. O que fazer quando idosos que possuem baixa qualidade de vida, precisam de intervenções médico-cirúrgicas para se manterem vivos. Intervenções muitas vezes caras e quase sempre com baixa probabilidade de sucesso. Não é justo deixar para os filhos, uma decisão que cabe aos próprios idosos. E bem antes que isso aconteça, é preciso que eles deixem claro qual a opção que preferem para cada situação que vier a acontecer. Até por um sentimento de gratidão, caso não tenham sido orientados, os filhos prolongariam a vida dos pais pelo tempo que a medicina permitisse. E nem sempre esta é uma decisão acertada.
Porém, a hora da verdade tem também seu atrativos. Uma boa e rotineira caminhada pela praia pode estar esperando ansiosamente, além de um bom jardim para montar e manter, aprender finalmente a tocar aquele instrumento musical, sem contar as viagens exóticas, as tradicionais, etc, etc……..e tudo isso feito sem pressa, sem cobrança de prazos e de acertos. Pensando bem, acho que dá para fazer desta verdade, uma grande mentira!!!
NELSON FUKAI é engenheiro, escritor e analisa questões do presente e passado da comunidade nipo-brasileira. E-mail: nelsonfukai@yahoo.com.br.