Na fase de execução parcial das penas impostas, esse processo do mensalão continua provocando efeitos peculiares inexistentes em outros processos criminais. Só que, agora, sem o respaldo da mobilização popular, a Corte Suprema não está agindo com aquele rigor e celeridade que até provocou críticas de juristas renomados, os quais contestaram a utilização da teoria do domínio do fato que implicaria aplicação de pena sem prova. Um exagero, sem dúvida, que brota mais da paixão do que do raciocínio jurídico…
Dessa forma, a execução está recheada de percalços: o desgastante jogo de empurra-empurra na expedição do mandado de prisão contra um deputado condenado; tumulto processual para decidir o pedido de prisão domiciliar formulado por Genoino; autorização dos condenados para trabalhar em diferentes ofícios, a fim de se livrarem parcialmente do cárcere etc. Os empregos ofertados aos condenados, que foram divulgados pela mídia, põem em cheque a credibilidade do sistema carcerário. Visível o tratamento diferenciado em relação aos condenados em outros processos criminais.
Entretanto, o que mais chama a atenção é essa onda de solidariedade que desencadeou a operação de doação de dinheiro para pagamento das multas impostas. Em poucos dias arrecadou-se muito mais do que o necessário para o pagamento delas, o que não aconteceria se fosse uma campanha para salvar vidas de pessoas inocentes. Cheguei a pensar que existem mais pessoas que comungam com os comportamentos anti-sociais dos condenados do eu imaginava. Agora, estou em dúvida.
Será que tudo isso está correto? Difícil de responder! O certo é que nem todos os condenados têm condições financeiras para o cumprimento da pena pecuniária e o Estado deixaria de receber esses recursos. Só que as multas não têm caráter indenizatório, mas, caráter de pena. E a pena não poderá passar da pessoa do condenado, conforme prescrição do art. 5º, XLV da CF invocado pelo Min. Gilmar Mendes para quem a arrecadação do dinheiro “sabota e ridiculariza o cumprimento da pena.”
Não se pode afirmar que todo o dinheiro doado tem origem discutível, pois encontrei dentre os doadores pessoas de bem, de boa índole, de reputação ilibada, como o sempre respeitado e renomado jurista e professor Celso Antonio Bandeira de Mello a quem devo a maior parte dos meus conhecimentos de Direito Administrativo. Ele fez doações para o Dirceu, o Genoino e o Delúbio, sem qualquer distinção. Acredito que ele é um dos que não se conformou com o especial rigor com que foram tratados os acusados, em sessões de julgamento agilizadas e polarizadas pela mídia nacional e internacional, o que pode ter resultado na injusta condenação de alguns deles no entender de uma parcela da sociedade.
Pensando bem, a ação dos condenados contribuíram decisivamente para aprovar a toque de caixa vários projetos de interesse do Executivo, alguns deles atentatórios à cidadania. Considerando que a societas sceleris havia se instalado no interior de um prédio oficial tem-se a impressão de que o mensalão era uma espécie de instrumento ou mecanismo, senão oficializado, pelo menos do conhecimento de muita gente que milita no serviço público. Esse é um dado não considerado pela grande massa popular que só queria ver os mensaleiros na cadeia. Esse fato, também pode ter contribuído para despertar o espírito de solidariedade em questão. Mas, tudo isso fica no terreno das hipóteses. Cabe a cada um extrair as suas conclusões.
Kiyoshi Harada é Jurista, Acadêmico, escritor e Presidente do Conselho Deliberativo do Bunkyo. Contato: harada@haradaadvogados.com.br