Nos meses de abril e maio acontece um dos mais tradicionais e populares eventos da comunidade nipo-brasileira. Conheça um pouco da história do undokai, suas curiosidades e o calendário das principais gincanas do estado de São Paulo
Bandeirinhas balançam no ritmo do vento, os koinobori hasteados no ponto mais alto da festa dão o tom alegre e descontraído do ambiente – geralmente um campo gramado ou de terra batida. Ocupando cada espaço dessa grande área, famílias inteiras, dos avós aos netinhos, brincam e se divertem em competições diversas. Se o dia estiver ensolarado, então, a festa está completa. Se integração e união foram as primeiras palavras que passaram em sua cabeça após imaginar essa descrição, acertou! É exatamente esse o espírito do undokai, um dos mais tradicionais e populares eventos da cultura japonesa, que faz sucesso no Japão e desde que os primeiros imigrantes japoneses pisaram em terras tupiniquins, em 1908, é realizado no Brasil.
Composta por “undô”, que significa exercício, movimento, e “kai”, reunião, o undokai – conhecido também por gincana poliesportiva – é parte intrínseca da comunidade, sendo realizado todos os anos, na maioria das entidades e escolas de língua e cultura japonesa espalhadas pelo país, principalmente, no Estado de São Paulo. Segundo a jornalista e historiadora, Célia Oi, o undokai “pode ser considerado um dos eventos que mais integram, e um dos mais tradicionais e populares da comunidade”.
Shinji Yonamine, especialista em cultura okinawana, explica que o undokai sempre foi uma atividade única que envolvia toda a comunidade, era o momento de relaxar e se divertir, desde os netinhos até os avós, por meio de corridas de várias modalidades e muitas gincanas, com distribuição de brindes a todos os participantes. “Os undokais eram realizados a partir do mês de abril, coincidindo com a comemoração do aniversário do Imperador Hiroito da era Showa no Japão, que era no dia 29 de abril”, detalha.
Lidia Shimizu, vice-presidente da Associação Cultural e Esportiva Nipo-brasileira de Osasco – entidade responsável por realizar o primeiro undokai na cidade de Osasco, e que em 2014 realiza a 50ª edição do evento, com a ajuda de 300 voluntários –, conta que seus avós comentavam que o unkokai era um evento muito especial. “Em que as famílias preparavam-se desde a véspera, as mulheres preparavam o lanche para toda a família, com o que havia de melhor na casa, as pessoas usavam as melhores vestes, pois iriam comemorar o aniversário do Imperador e em seguida participar da gincana poliesportiva”, relata. “Era o dia em que as famílias se reuniam com alegria para reencontros e estreitar os laços de amizade. A organização e realização do evento exigia esforço comunitário com muitos voluntários, uma das razões de proporcionar a união e integração das famílias”, enfatiza.
Os diretores do Nippon Country Club (NCC) – maior clube nikkei das Américas, que realiza o evento desde 1963 – também concordam que o undokai é um dos eventos mais integrativos da cultura japonesa. “Sem dúvida nenhuma, o undokai é um dos eventos que mais integra a família e os associados, além de colaborar com a preservação e manutenção da cultura japonesa”, afirma o diretor social, Rubens Kamoi. “E essa união de famílias fica clara durante as gincanas e brincadeiras, organizadas para todas as idades e, muitas delas, para se trabalhar em equipe, justamente para promover a integração de todos”, enaltece o diretor esportivo do clube, Roberto Tanaka. Integração presente também na realização do evento: “Assim como todas as festas do Nippon, o undokai é organizado por todos os diretores voluntários, tanto da área esportiva quanto do social. É uma grande festa, que sem a participação dos diretores e muitos voluntários, não conseguiríamos organizar”, destaca Rubens.
Conforme explica Célia, as competições sempre buscam envolver todas as faixas etárias – desde os pré-escolares, meninos, meninas, moças, moços, adultos, solteiros, casados, até os idosos –, e as competições variam entre as individuais (os vários tipos de corrida como 50 metros rasos, no saco, da colher com o ovo…) e as coletivas (disputa entre as equipes como cabo de guerra e bolas ao cesto).
“Os prêmios, geralmente, são muito variados, mas normalmente são cadernos, lápis, canetas e utensílios de cozinha. Lembrando, que todos os participantes ganham prêmios, mesmo aqueles que não vencem as provas, já que o grande objetivo da festa é a integração e não a competição”, esclarece Rubens.
Dependendo dos locais, além das gincanas, existe um momento das apresentações culturais, com danças folclóricas e taikô, conta Célia. “E antes quando as escolas de língua japonesa eram atuantes, também eram comuns apresentações dos alunos com danças ou demonstrações de ginástica olímpica”, revela.
Ii-sei Watanabe conta em seu artigo “Undokai Gincana Poliesportiva”, publicado no livro “Centenário: Contribuição da Imigração Japonesa para o Brasil Moderno e Multicultural”, que as mães de cada família preparavam as comidas à base de bolinho de arroz (oniguiri); frango frito; frango à milanesa; bife à milanesa com carnes de porco e boniva; sushi enrolado com algas marinhas; manjiu com azuki; moti doce; “yokan”; além de conservas de nabo, mamão verde, gengibre, cenoura, melão verde e frutas da época produzidas na região.
Os recursos financeiros para a realização da festa, antigamente, explica Celia, era a própria comunidade que se cotizava para juntar. “Com o passar do tempo, com a proximidade das cidades, as casas comerciais, bancos, produtoras de adubos, revendedoras de trator… passaram a patrocinar os eventos”, detalha. “Mas os associados ainda participam da organização do undokai e colaboram durante a realização, separando as equipes e entregando os prêmios”.
“Para a minha geração, que viveu desde a infância esses undokais anuais, falar dessas festas desperta um sentimento nostálgico ‘de bons velhos tempos’. Até a época ginasial, eu lembro que a gente disputava com os amigos e irmãos quem ganhava mais presentes (em geral produtos escolares). Depois, na adolescência e juventude, eram memoráveis as disputas de ‘busca de namorado’ – moças e moços partem de pontos opostos e se encontram no centro e tentam acertar o par que deve ter o mesmo nome –, que eu nunca consegui conquistar o primeiro lugar. Eu era boa mesmo em corrida”, lembra Célia. “As gincanas eram esperadas com ansiedade por todos – era o reencontro de pessoas que moravam distantes e de passar um dia inteiro entre conversas e competições. Para os homens, momento de bebericar com os amigos; para os jovens uma oportunidade de encontrar a velha “paquera”! Ou ainda, para comer o delicioso prato, especialidade de uma determinada pessoa”, completa.
Com o decorrer do tempo, a festa sofreu algumas mudanças. Segundo Célia não só porque eram realizados nos tempos de colônia, na zona rural, com as condições financeiras precárias, mas também os tipos de disputas, prêmios, tudo era de acordo com o seu tempo. “Lembro que invariavelmente todos vinham completamente sujos de poeira”, recorda.
Na parte de alimentação também teve mudanças. Atualmente são poucas famílias que levam seus próprios lanches, já que os undokais oferecem essa estrutura com “barraca de pastéis, yakissoba, udon, tempurá, espetinhos… e até barracas de venda de produtos mais sofisticados”, pontua Watabanabe em seu artigo.
Por outro lado, como ressalta Yonamine, o undokai continua sendo enfeitado com bandeirinhas e koinobori, tem as tradicionais brincadeiras e sorteios. “É lazer para o dia inteiro”, conclui.
O futuro da celebração
Há mais de 100 anos sendo realizada no Brasil é natural que se pergunte se o undokai ainda terá força para se manter por mais tempo em terras tupiniquins. Célia acredita, que a festividade teria mais força “se o conceito do undokai – alegre confraternização poliesportiva que envolve toda a família – saísse dos limites da comunidade e fosse difundido largamente”, ressalta. “O processo de urbanização vivido pela comunidade desde os anos de 1940 tem sido fatal para a continuidade dos undokais. As pessoas mudaram para as cidades e as entidades não possuem espaços suficientes para realizar esses eventos. Ao mesmo tempo, é interessante destacar a importância da força dos jovens na montagem do evento. Quando se intensificou o movimento dekassegui, em muitas entidades, o undokai deixou de ser realizado. Acredito até que o enfraquecimento das entidades está intrinsecamente relacionado ao desaparecimento gradual do undokai”, completa.
Na opinião de Ii-sei Watanabe, em seu artigo “Undokai Gincana Poliesportiva”, o undokai deverá continuar na comunidade nipo-brasileira por muitos anos. “As modalidades de gincana serão modificadas gradualmente, entretanto, a finalidade de confraternização, bem como as brincadeiras tradicionais da cultura milenar do Japão, continuarão vivas”, enfatiza.
Undokai em terras tupiniquins
Segundo o especialista em história com ênfase em imigração, Aureo de Jesus Sato, em seu artigo “Undokai: a construção da identidade étnico-cultural em torno da niponicidade”, antes mesmo de desembarcar em terra firme, algumas atividades recreativas eram realizadas pelos imigrantes a bordo dos navios.
“Em geral realizava-se no chamado ‘Sekido Matsuri’ – festa de passagem do hemisfério Norte para o Sul, em que se ‘pedia’ para os deuses do mar a permissão para adentrar no outro hemisfério. Lendas à parte, os coordenadores da viagem tinham de criar uma série de eventos para manter os passageiros ocupados e o undokai era perfeito”, explica a historiadora Célia Oi.
Já em terras brasileiras, conta Célia, desde o momento em que os imigrantes japoneses passaram a constituir suas próprias colônias, no início dos anos de 1910, as gincanas já eram realizadas.
“A partir da fixação dos japoneses nas fazendas do interior paulista, a realização da gincana tornou-se um referencial comemorativo para sociabilizar e integrar nipônicos e os descendentes nikkeis, bem como na identificação identitária dos membros com a festa. Embora haja momentos lúdicos de confraternização, perpetua-se sobretudo uma tradição étnico-cultural em torno da imagem de ‘niponicidade’”, ressalta Sato em seu artigo.
Para Célia a realização do undokai e a importância de seu significado estão intimamente ligadas ao contexto dos imigrantes que acreditavam um dia retornar ao Japão depois de fazer o “pé de meia” no Brasil. “São vários ingredientes que somam nesse período, que vai de 1908 até a Segunda Guerra Mundial nos primeiros anos da década de 1940, orientado para manter o espírito japonês e incutir esses ensinamentos junto às novas gerações nascidas no Brasil”, relata.
A historiadora explica que com esse objetivo, ao se constituir um núcleo de imigrantes, a primeira instalação coletiva era a escola de língua (e cultura) japonesa, que também servia de local para o funcionamento do “nihonjinkai” (associação de japoneses). Esta era responsável não somente pela administração da escola, como também da liderança das atividades sociais, culturais e até econômicas da comunidade. “O nihonjinkai era também responsável pela realização do Tenchosetsu – evento comemorativo ao aniversário do imperador –, que além da cerimônia solene, havia na programação a competição do undokai, em alguns locais havia apresentação de peça de teatro, ou alguma atração cultural clássica, e torneio de sumô – esporte representativo do imperador”, detalha.
Durante a guerra, segundo ela, com a série de proibições aos estrangeiros naturais dos países do Eixo, as reuniões foram proibidas. Já com o final da Guerra, e a liberdade para as reuniões estabelecida, o contexto era outro: “O objetivo dos imigrantes já mudara, não era o retorno à terra natal, mas o desafio de, o mais rápido possível, se integrar a este país e buscar melhores condições de vida e de ascensão social”, ressalta. “As cerimônias solenes de comemoração ao aniversário do imperador passaram a ser mais discretas, e os undokais continuaram a ser realizados, agora como outras comemorações ou sem comemorações específicas”, completa.
“Tanto antes, como depois da Guerra, a natureza dos undokais não mudou – um dia de confraternização dos integrantes da comunidade local, de reencontro com antigos vizinhos (sim, porque muitos mudaram desse local), parentes e amigos”, finaliza Célia.
Como tudo começou: o undokai no Japão
De acordo com a historiadora Célia Oi existem controvérsias sobre a data do primeiro undokai realizado no Japão. “Sabe-se que nasceu na Era Meiji (1868/1912), época em que o Japão abriu suas portas para as influências do Ocidente. Diz que o undokai teve origem nas reuniões atléticas da Europa, que incluíam competições mais descontraídas, combinando com o espírito festivo dos piqueniques”, conta. “Há registros que uma primeira dessas reuniões atléticas no Japão aconteceu em 21 de março de 1874, na Academia Naval, sob a orientação do professor inglês, Frederick William. Outro registro indica a data de 1868 nas instalações da siderurgia localizada em Yokosuka”, completa.
Célia ressalta que ao longo dos anos essa reunião esportiva espalhou-se por várias localidades do Japão, relacionadas com a prática de educação física, envolvendo a participação dos pais e professores das escolas.
Como reitera Shinji Yonamine: “No Japão os undokais são realizados nas escolas, no mês de outubro, em comemoração ao dia da atividade física e o dia das crianças, tendo como símbolo o koinobori – carpas coloridas – feito de tecido, que ficam pendurados ao sabor do vento, simbolizando as crianças”, detalha.
Durante a Segunda Guerra Mundial, segundo Célia, o undokai também foi levado pelos japoneses ao nordeste da China, Taiwan, Coreia do Sul e Coreia do Norte, durante a ocupação na Segunda Guerra Mundial.
Atualmente no Japão, acredito que essa gincana, ao contrário do Brasil, ainda esteja mais presa à comunidade local e à escola, ressalta a historiadora.
Informações
Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil
Rua São Joaquim, 381 – 7º, 8º e 9º andares
Tel.: 11. 3209-5465
Funcionamento de terça-feira a domingo, das 13h30 às 17h30
Ingresso: R$ 7,00. Estudantes e crianças de 5 a 11 anos pagam meia entrada R$ 3,50. Crianças menores de 5 anos e adultos acima de 65 são isentos.
Anote na agenda
A Mundo Ok reuniu os principais undokai que acontecem no estado de São Paulo. Confira os eventos e programe-se
** Nippon Country Club
25 de maio de 2014
A partir das 8h
Sede de Campo – estrado dos Vados, 260, Fontes – Arujá (rodovia Presidente Dutra, km 205,5)
11. 4652-0270
** Associação Japonesa de Santos
01 de maio de 2014
A partir das 9h
Associação Atlética dos Portuários de Santos – rua Joaquim Távora, 424 – Marapé (entrada pela rua Cincinato Braga, 01)
13. 3345-3082
** Associação Okinawa de Vila Carrão
25 de maio de 2014
A partir das 8h
Estádio Municipal Arnaldo José Celes – rua Domingos Fanganiello, 315 – Ponte Grande, Guarulhos
11. 2296-1120
** Associação Cultural e Esportiva Nipo-Brasileira de Osasco – Acenbo
04 de maio de 2014
A partir das 8h30
Sede Esportiva – rua Acenbo, 100, Jardim Umuarama – Osasco
11. 3684-0904
** Associação Esportiva e Cultural Okinawa de Marília – AECOM
01 de maio de 2014
A partir das 8h
Sede Campestre – avenida Benedito Alves Delfino, 2850 – Distrito Industrial
14. 3413-1889
** Kyushu Bloco (províncias de Oita, Miyazaki, Nagasaki, Fukuoka, Kagoshima, Kumamoto, Saga e Okinawa)
18 de maio de 2014
Das 9h às 16h
Centro Cultural Okinawa do Brasil – avenida Sete de Setembro, 1670 – Diadema
11. 4057-2275
aokb-ccob.blogspot.com
** Associação Cultural e Esportiva Saúde
17 de agosto de 2014
A partir das 9h
Centro Cultural Okinawa do Brasil – avenida Sete de Setembro, 1670 – Diadema
11. 5058-6958
** Associação Cultura e Esportiva Okinawa Santa Maria
01 de maio de 2014
A partir das 8h
Rua José Inácio de Oliveira, 249 – Imirim
11. 2256-3376
** Clube Cultural Nipo-Brasileiro de Bauru – Nipo Bauru
27 de abril de 2014
Das 9h às 17h
Recanto Tenri – avenida Castelo Branco, 36-36
14. 3223-2845
** Associação Okinawa de Casa Verde
04 de maio de 2014
A partir das 8h30
Estádio Municipal Arnaldo José Celes – rua Domingos Fanganiello, 315 – Ponte Grande, Guarulhos
11. 2239-9245