Literatura: Literatura em foco

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Do Período Clássico ao Moderno, confira a história da literatura japonesa, seus principais escritores, curiosidades e como ela chegou e se desenvolveu em terras brasileiras

 Imagens Divulgação

Composta por vários estilos como romances, contos, poemas – com destaque para o tanka e o haikai –, ensaios e crônicas, a literatura japonesa tem uma longa e rica história, e uma vasta produção de obras que começou a se desenvolver desde o início do século VIII e continua a pleno vapor até os dias de hoje. Conquistando não só os leitores japoneses, como os de inúmeros países, inclusive os brasileiros.

Neide Hissae Nagae, docente e pesquisadora do Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – USP, e especialista em língua e literatura japonesa clássica e moderna, em seu artigo “Literatura Japonesa – Um olhar curioso sobre produções curiosas”, explica que a literatura nipônica é dividida em período clássico, que vai desde os primórdios até o final do século XIX, quando dá início ao período moderno. “O período clássico é separado em três grandes blocos: o Antigo (até 1192) organizado em torno às Cortes de Nara e Heian, o Médio (1192 até 1600), em torno ao xogunato de Kamakura e Muromachi e o Pré-moderno (1603-1867), que corresponde ao do xogunato de Edo”, detalha.

Já o moderno, esclarece Neide, acompanha a divisão das eras imperiais: Meiji (1868-1911), Taishō (1912-1925), Shōwa (1926-1988) e Heisei (1989-atual). Um dos parâmetros utilizados para a era contemporânea é a Segunda Guerra Mundial para se falar da produção literária antes e depois desse marco histórico em que houve uma diversificação e uma popularização da literatura.

Segundo ela além das influências chinesas, coreanas, indianas e algumas da Pérsia, que foram transmitidas desde os primórdios da literatura nipônica, fizeram-se presentes também as heranças portuguesas, holandesa e as demais que entraram indiretamente, até que os portos se abriram em definitivo para as nações americanas e europeias.

Literatura Clássica

Em seu artigo “Panorama da Literatura Japonesa”, o especialista em literatura japonesa e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Paulo Warth Gick, destaca que nos primórdios, com a introdução da escrita, o governo imperial ordenou que se registrassem as lendas tradicionais, bem como os eventos contemporâneos. A obra, completada em 712, é hoje conhecida como Kojiki, “Registro de Assuntos Antigos”, cujas páginas apresentam uma mina de informações sobre o passado mítico japonês.

“Em se tratando de literatura, no entanto, um título merece destaque: o Mannyôshû, “Coletânea das dez mil folhas”. A antologia contêm aproximadamente quatro mil e quinhentos poemas e foi completada no início do Período Heian (794 – 1189). Os poemas, de autoria de uns 260 poetas, foram compostos entre os séculos IV e VIII. Os poemas já apresentam a estrutura de cinco versos de cinco, sete, cinco, sete, sete sílabas que indicam a origem da forma poética japonesa ‘tanka’, ainda hoje usada”, ressalta.

Até essa época, a língua japonesa era escrita apenas utilizando-se de caracteres chineses. Foi, então, criado um sistema silábico adequado à língua nipônica, o “kana”. “A partir desse momento a língua japonesa torna-se mais independente e a literatura começa a caminhar por conta própria”, revela a tradutora Meiko Shimon, que é membro da Associação Cultural e Literária Nikkei Bungaku do Brasil e está produzindo um livro sobre literatura clássica japonesa com previsão de lançamento para 2015.

As mulheres, a partir do século IX, passam a adotar esse sistema e dar início à produção literária japonesa, “que era liderada pelas mulheres, já que os homens se ocupavam com os registros e documentos do dia-a-dia”, conta Meiko. Segundo ela a obra mais representativa do período é o Genji Monogatari, “O romance de Guenji”, escrito por Murasaki Shikibu, cerca do ano 1000.

Outro gênero de destaque, de acordo com Gick, foi o “zuihitsu” – ensaios escritos a partir de pensamentos ocasionais. Makura no Sôshi, “O Livro de Travesseiro”, de Sei Shônagon, é uma “obra-prima desse estilo”. O livro foi lançado em português, em 2013, pela Editora 34, com tradução realizada pela equipe de professores do Centro de Estudos Japoneses da USP, e está concorrendo ao 56º Prêmio Jabuti, na categoria tradução.

Por outro lado, a produção literária do período medieval, “caracteriza-se pelas narrativas épicas, refletindo a natureza bélica da atmosfera que envolvia o Japão”, afirma Gick. “São diversas ‘monogatari’, cada qual denominada de acordo com o episódio guerreiro ao qual se referia”, completa. A mais importante dessas obras, enaltece Meiko é o Heike Monogatari, que trata da ascensão e queda do clã Heike ou Taira.

Já no período pré-moderno, uma das formas literárias que ressurge modificada é a poesia. “Ela surge na forma do ‘haikai’, um poema breve, composto de três versos de cinco, sete, cinco sílabas cada um, e te sua origem no ‘tanka’, do período Heian”, explica o especialista. Dos poetas do período, destaca Gick, o que maior e mais valiosa contribuição trouxe ao “haika” foi Matsuo Bashô (1644-1694).

Yosa Buson (1716-1783), um século após a morte de Bashô, “dá nova vida ao haikai, empregando imagens vibrantes em sua poesia”, afirma Gick. “Retomado por Issa Kobayashi (1763-1827), no final do período, o haikai ganha uma dimensão ao mesmo tempo gentil e envolvente ao tratar dos sentimentos humanos”, completa. Na literatura de ficção, o romancista de maior importância da época foi Ihara Saikaku (1642-1693).

Literatura Moderna

Com a queda do regime militar e a volta do Imperador ao poder por meio da Restauração Meiji, o Japão abriu seus portos e suas mentes ao Ocidente. “A partir desse momento a literatura japonesa passa a sofrer influências americanas e europeias”, explica Meiko.

Gick ressalta, em seu estudo, que em pouco tempo a ficção japonesa encontrou-se numa fase de criatividade, respondendo aos desafios de uma sociedade em processo de mudanças rápidas e drásticas. “Ogai Mori (1862-1922) foi um dos intelectuais que muito contribuiu no sentido de introduzir no Japão o estudo das teorias literárias europeias”.

Outro dois nomes que marcaram a literatura desse período foram Tôson Shimazaki (1872-1943) e Natsume Soseki (1867-1916). “O romance Hakai, de Tôsan, é considerado até hoje como um marco na literatura japonesa. E Soseki foi a personalidade mais marcante da literatura do país em transição, e que maior impacto teve nas gerações subsequentes de escritores japoneses”, esclarece Gick. “Em nível de importância e reconhecimento, podemos compará-lo, em termos de literatura brasileira, a Machado de Assis”, revela Meiko. Títulos como “Eu sou o gato” e “Coração”, seu romance mais famoso, estabeleceram-no como um autor de vanguarda e de primeira linha da literatura da terra do sol nascente.

Gick também explica que paralelamente à nova tendência de modernização da literatura de ficção no Japão, alguns autores mantiveram-se fiéis à tradição clássica no que diz respeito à linguagem empregada em suas obras, como Ichiyô Higuchi (1872-1896). “Uma das mais geniais escritoras do período, aclamada pela crítica pela qualidade lírica de sua obra, e a primeira mulher escritora de ficção a alcançar um nível admirável de qualidade artística, Ichiyô tornou-se fonte de inspiração para muitas mulheres, que voltaram-se à literatura, a exemplo de suas ancestrais famosas do século XI”, elucida.

Com o passar dos anos surgiram outros nomes que acrescentaram novas dimensões à ficção japonesa. Entre eles destaque para Naoya Shiga (1883-1971), Jun’Ichiro Tanizaki (1886-1965), e Ryûnosuke Akutagawa (1871-1927).

Outros autores também foram de suma importância, já que trouxeram ao Japão o reconhecimento do Ocidente. Como Yasunari Kawabata (1899-1972), vencedor do Nobel de Literatura, em 1968, autor de clássicos como “Mil tsurus” e “O País das Neves”; e Yukio Mishima (1925-1970), autor da famosa tetralogia “Mar de Fertilidade”, composta pelos livros: “Neve da primavera”, “Cavalo selvagem”, “O templo da aurora”, e “A queda do anjo”, última obra do escritor antes de cometer o seppuku, o suicídio ritualístico japonês.

Da geração mais nova, evidenciam-se ainda Oe Kenzaburo (1935), que assim como Kawabata, venceu o Nobel de Literatura, em 1994; Haruki Murakami (1949), “um fenômeno mundial e um dos autores mais traduzidos para o português”, revela Meiko, e nome muito especulado a ser o próximo japonês vencedor do Nobel, que se destaca pelas obras “Kafka à beira mar”, “Minha querida Sputnik” e “1Q84”, um de seus sucessos mais recentes; Ryu Murakami (1952); e a escritora Hiromi Kawakami (1958), autora de “Quinquilharias Nakano” e “A valise do professor”.

Literatura japonesa no Brasil

Em terras brasileiras, como explica Neide em seu artigo, a literatura japonesa passou a fazer parte do cenário tupiniquim com a chegada dos primeiros imigrantes japoneses que pouco a pouco foram inserindo-se na sociedade brasileira e divulgando, ainda que de forma isolada, uma história aqui, um poema ali. “Os poemas haicais foram conhecidos por Afrânio Peixoto e praticados por Guilherme de Almeida, sendo divulgado em sua vertente humorista por Millôr Fernandes e ganhando as páginas de livros por meio dos irmãos Haroldo e Humberto de Campos”, conta.

Um dos primeiros livros japoneses traduzidos para o português foi “Contos Japoneses”, na década de 1960, por Antonio Nojiri, revela Meiko. “Nessa época o mais comum eram as traduções indiretas, do inglês ou do alemão. Mesmo assim, era poucos livros, um lançamento a cada um ou dois anos”, esclarece.

Segundo ela, o “boom” mesmo da literatura japonesa ocorreu na década de 1990 com o lançamento pela Editora Estação Liberdade de “Musashi”, de Eiji Yoshikawa (1892-1962), com tradução de Leiko Gotoda. “Esse romance vendeu milhões de cópias no Japão e foi um sucesso de vendas também em terras brasileiras, figurando até em listas de mais vendidos”, revela Meiko. “A partir daí outras editoras passaram a se interessar pelo tema e fazer mais traduções e trazer outros autores japoneses para o Brasil”, completa.

Ainda que irrisório, se comparado à quantidade de obras japonesas existentes – “por um lado pela falta de investimento na formação profissional de tradutores e, por outro, do mercado editorial ainda tímido”, como revela Neide –, o surgimento de novos títulos no mercado editorial brasileiro tem crescido. É o que constata Angel Bojadsen, diretor editorial da Estação Liberdade, editora que tem a literatura japonesa como principal linha editorial, com cerca de 40 livros de autores japoneses publicados: “Tem crescido, já que lançamos novos títulos regularmente e também é possível perceber que nos últimos dez anos muitas editoras importantes têm investido em obras japonesas, como Companhia das Letras, Globo, Record, Leya”, comenta.

Ele também ressalta que determinados autores como Murakami – no qual a Estação Liberdade foi a primeira a trazer para o País com os títulos “Caçando Carneiros” e “Dance, dance, dance” – já ostentam no Brasil círculos fiéis de admiradores. “Outros autores muito festejados pelos brasileiros, que têm leitores cativos, são Kawabata, de quem já lançamentos dez livros e Jun’Ichiro Tanizaki”, detalha.

De acordo com Neide, um levantamento feito em 2010 no Brasil mostrou que cerca de 120 títulos estavam publicados na época, alguns, inclusive, em repetição a obras feitas em tradução indireta.

Aos que desejam iniciar no mundo das letras orientais, ou conhecer novos autores, Meiko indica alguns títulos que compõem a literatura japonesa moderna, todos já lançados no Brasil. Confira no box abaixo!

Mini-guia: de Ogai Mori à Hiromi Kawakami

** O ganso selvagem – Ogai Mori (Tessitura)

** Coração – Natsume Soseki (Globo / 2008)

** As irmãs Makioka – Junichirô Tanizaki (Estação Liberdade / 2005)

** Rashômon e outros contos – Ryunosuke Akutagawa (Hedra / 2008)

** A casa das belas adormecidas – Yasunori Kawabata (Estação Liberdade / 2004)

** O pavilhão dourado – Yukio Mishima (Companhia das Letras / 2010)

** Musashi – Eiji Yoshikawa – Estação Liberdade – 1999

** Uma questão pessoal – Oe Kenzaburo (Companhia das Letras / 2003)

** Caçando carneiros – Haruki Murakami (Alfaguara/Objetiva / 2014)

** A valise do professor – Hiromi Kawakami (Estação Liberdade / 2012)

Roteiro Literário

Confira as principais bibliotecas de São Paulo que dispõem de literatura japonesa

 

Biblioteca dos Jovens de Pinhal:

Com o objetivo de transmitir a cultura japonesa para os descendentes de japoneses que vivem no Brasil, preservando a cultura e tradição nipônica, e evitando que suas origens sejam esquecidas, o japonês Tetsuhito Amano fundou, há mais de 30 anos, a Biblioteca dos Jovens de Pinhal, na Colônia Pinhal, em São Miguel Arcanjo, interior de São Paulo. Considerada a maior biblioteca do Brasil em volume de livros em japonês, o local abriga aproximadamente 75 mil exemplares de vários segmentos, além de revistas, mangás, e um acervo de vídeos com mais de 1 mil volumes em filmes, programas de TV do Japão e comerciais. Tudo isso espalhado em uma área de 650 metros quadrados. Se garimpar ainda é possível encontrar alguns títulos em língua portuguesa, mas com assuntos de interesse dos japoneses. Aos que forem visitar a biblioteca, não se esqueçam: antes de conferir o acervo é preciso descalçar os sapatos – como estabelece a tradição japonesa – e vestir as havaianas. No terreno da biblioteca existe também um campo de mallet golf e um alojamento para cerca de 40 pessoas, que costuma receber estudantes de outras regiões do País que vão conhecer a cidade e as dependências da biblioteca.

Empréstimo: A biblioteca é aberta ao público interessado e além da consulta no local, é possível adquirir emprestado os materiais disponíveis, o tempo do empréstimo varia de 15 dias a um mês.

Funcionamento: Aos sábados, das 14h às 17h. Nos demais dias apenas com agendamento prévio da visita.

Informações: Tel.: 15. 3379-6593 (atendimento em japonês) e 15. 3379-6592 (atendimento em português).

Local: Na Colônia Pinhal – aproximadamente 8 km da entrada de São Miguel Arcanjo. 

 

Biblioteca Bunkyo:

A Biblioteca Circulante da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social – Bunkyo foi criada logo após a fundação da entidade, na década de 1950. Atualmente conta com um acervo com cerca de 60 mil exemplares, entre obras em japonês, que somam a maioria, e em português. Além de possuir um acervo especial com temas relacionados à comunidade nipo-brasileira. Entre os itens para consulta estão livros (literatura japonesa e mundial, romance, estudos sociais…), jornais, revistas, mangás e fitas de vídeo.

Empréstimo: Restrito aos sócios do Bunkyo. É possível retirar 5 livros por pessoa, no período de duas semanas.

Funcionamento: De segunda a sexta-feira, das 9h às 17h30 e aos sábados, das 9h às 13h.

Informações: Tel.: 11. 3208-1755 (ramal 128) ou www.bunkyo.org.br.

Local: Rua São Joaquim, 381 – 2º andar do prédio anexo – Liberdade.

Biblioteca Teiiti Suzuki

Fundada pela iniciativa do professor Teiiti Suzuki, a biblioteca está localizada no prédio da Casa de Cultura Japonesa e possui um acervo de 52.692 títulos no local, incluindo livros e periódicos, das áreas de Humanidades. A biblioteca possui o maior acervo especializado em Estudos Japoneses da América Latina e seu sistema permite a consulta online do acervo.

Empréstimo:

Funcionamento: De segunda a sexta-feira, das 13h às 17h.

Informações: Tel.: 11. 3091-2423 ou bibliotecacejap.fflch.usp.br.

Local: Avenida Professor Lineu Prestes, 159 – Cidade Universitária.

Biblioteca Fundação Japão:

Com o objetivo de dar suporte à pesquisa na área de cultura e língua japonesa a biblioteca iniciou suas atividades em julho de 1994. Atualmente seu acervo reúne mais de 20 mil títulos escritos em japonês, inglês e português, que abrangem variadas mídias como livros, mangás, revistas, didático, e audiovisuais, como filmes, documentários, animês e músicas originais japonesas.

Empréstimo: A consulta dos materiais é livre, mas o serviço de empréstimo exige um cadastro prévio. Para isso, é necessário ser maior de 18 anos, trazer documento original de identidade, duas fotos 3×4 e comprovante de residência.É possível adquirir até 7 materiais, pelo prazo de duas semanas.

Funcionamento: De terça a sexta-feira, das 10h30 às 19h30, e aos sábados, das 10h30 às 18h30.

Informações: Tel.: 11. 3141-0110 ou www.fjsp.org.br.

Local: Avenida Paulista, 37 – 2º andar – Paraíso.

Biblioteca Aliança Cultural Brasil-Japão:

Desde a sua fundação, a Aliança dispõe de uma sala de leitura, que foi oficialmente transformada em Biblioteca João H. Matsumoto, em 1988. Nela há a disposição de alunos e visitantes um acervo com cerca de 6200 livros, 200 revistas, 1500 mangás, 200 DVDs de filmes e animês e 250 CDS, dos mais diversos assuntos como cultura, história, arte, literatura e língua japonesa.

Empréstimo: Só para os alunos da Aliança. Mas, o público em geral pode fazer consulta dos materiais no local.

Funcionamento: De segunda a sexta-feira, das 13h às 19h, e aos sábados das 9h30 às 15h30.

Informações: Tel.: 11. 3209-6630 ou www.acbj.com.br.

Local: Unidade Vergueiro: rua Vergueiro, 727 – 5º andar – Liberdade.