Saúde: Você pode salvar Fabiana Ikeda

0
814

E outras 1.269 pessoas no Brasil que aguardam por um doador compatível de medula óssea

 Fotos Divulgação

Colabore! Participe da campanha e seja um doador de medula óssea
Colabore! Participe da campanha e seja um doador de medula óssea

Em outubro de 2014 a nipo-brasileira Fabiana Ikeda, de 37 anos, foi diagnosticada com Leucemia Linfóide Aguda — LLA, um tipo de câncer que afeta os glóbulos brancos do sangue e é mais agressivo em adultos. Para se curar precisa de um transplante de medula óssea a partir de um doador 100% compatível não-aparentado. As chances de encontrar um doador compatível entre irmãos é de 25%, e na população em geral é de uma para 100 mil. Entre os orientais, como a Fabiana, as chances são ainda menores.

Para ajudá-la nessa difícil missão de encontrar um doador compatível, familiares e amigos da servidora pública iniciaram a campanha “Você pode salvar Fabiana Ikeda” (www.fabianaikeda.com) com o objetivo de sensibilizar não só as comunidades orientais, como toda a sociedade sobre a questão da doação de medula óssea. “Ao doar para a Fabiana, todas as pessoas serão beneficiadas, porque se não for compatível com ela, pode ser para um dos quase 1,3 mil brasileiros cadastrados no REREME (Registro Nacional de Receptores de Medula Óssea) que dependem do transplante para sobreviver”, ressalta Daniel Oliveira, marido de Fabiana. Mãe do Gabriel (14) e da Tarsila (9), Fabiana mantém a esperança e confia na mobilização da campanha, que já atingiu todo o País.

Compatibilidade

Independente de origem, raça, cor ou etnia, qualquer pessoa pode ser compatível com orientais (e vice versa). “Mas, os orientais têm mais probabilidade de serem compatíveis entre si, devido a forte semelhança genética presente nessa população. Quanto menos miscigenação na composição do DNA, maiores são as chances de encontrar doadores 100% compatíveis”, revela o médico hematologista Alexandre Hirayama, que acompanha o caso de Fabiana.

O problema é que dos 3,5 milhões de pessoas cadastradas no REDOME (Registro Brasileiro de Doadores de Medula Óssea) – considerado o terceiro maior banco de dados do gênero no mundo, ficando atrás apenas dos registros dos Estados Unidos e Alemanha –, apenas 3,44% dos doadores são orientais ou descendentes, totalizando 117,3 mil pessoas, segundo informações do diretor do Centro de Transplante de Medula Óssea do Instituto Nacional de Câncer Jose Alencar Gomes da Silva – INCAe Coordenador do REDOME/REREME e Rede BrasilCord, Luis Fernando Bouzas. Para garantir que todos os pacientes descendentes encontrem doadores, o número de orientais cadastrados precisa ser muitas vezes maior.

O médico onco-hematologista do Comitê Científico da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), Celso Massumoto, revela que no Brasil a busca por um doador compatível pode demorar de 6 meses há um ano. “No Japão, por exemplo, um país que sofreu menos com a miscigenação da sua população é possível encontrar um doador compatível em um mês”, compara.

E não são só os orientais que sofrem com essa questão. Outras “minorias genéticas” também têm dificuldade de encontrar um doador compatível, como os povos indígenas e negros, que ainda têm uma presença insuficiente no banco: 8,49% e 11,96% de pessoas cadastradas, respectivamente, de acordo com dados do INCA. “Para que todos tenham mais chances de encontrar um doador compatível é imprescindível que haja uma presença maior no REDOME dessas minorias genéticas. É importante estimular e mobilizar esses grupos para que também se tornem doadores”, relata a presidente da Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea (SBTMO), Lúcia Silla.

Doação

Praticamente todas as pessoas podem doar medula, que é um tecido líquido encontrado no interior dos ossos que produz algumas células do sangue. O transplante é simples e a medula óssea pode ser doada de duas formas: “Por aférese, um método que dura cerca de três horas, em que são retiradas da veia do doador as células necessárias e devolvidas as demais; ou por meio de um pequeno procedimento cirúrgico, realizado com o doador anestesiado, em que é feita uma punção nos ossos da bacia”, explica Massumoto. Em ambos os casos o material recolhido é injetado na veia do receptor. “Não há nenhum risco para o doador, no mesmo dia ele já recebe alta e em 15 dias a medula é reposta pelo organismo. É importante ressaltar que esse simples gesto pode salvar uma vida, é um ato de solidariedade, de amor”, enfatiza o especialista.

No Brasil, segundo dados do INCA, existem 70 centros para transplante de medula óssea e 26 para transplantes com doadores não-aparentados. No Estado de São Paulo, de acordo com Bouzas, existem 17 centros que realizam transplante não-aparentado. “Em média, temos de três a quatro leitos por centro”, revela.

Em 2014, conforme divulgado pela Associação Brasileira de Transplante de órgãos –ABTO, foram realizados no Brasil 529 transplantes de medula óssea alogênico (são utilizadas as células de um doador compatível), e 898 autólogo (técnica que utiliza as próprias células tronco do paciente), um total de 1427. Só em São Paulo foram 661 transplantes.

Fabiana e o marido Daniel: unidos na luta pela vida
Fabiana e o marido Daniel: unidos na luta pela vida

Outras barreiras

Além da falta de doadores, as pessoas que esperam por um transplante têm que transpor ainda outras barreiras. Segundo os especialistas, muitas coisas precisam ser melhoradas, porque os pacientes têm que enfrentar a deficiência do sistema público de saúde, a demora na busca por um doador, e quando esse é encontrado, a falta de leito e de equipe especializada para fazer o transplante.

Para a presidente da SBTMO um dos maiores problemas que os pacientes enfrentam atualmente é a falta de leitos para a realização do transplante. “Cerca de 270 pacientes que já encontraram um doador compatível estão aguardando apenas um leito para poder fazer o procedimento. E quase 900 já têm um doador em potencial”, enumera Lúcia.

“Toda essa espera, tanto para encontrar um doador como para poder fazer o transplante, pode ser vital para os pacientes, que muitas vezes acabam sucumbindo na fila de espera”, alerta Massumoto. Lúcia acredita que o número de leitos teria que triplicar para poder atender a todos que precisam.

Bouzas afirma que o projeto de ampliação dos leitos vem acontecendo concomitante ao crescimento do REDOME. “Em 2003, eram dois centros apenas, e atualmente são quase 30 centros para o transplante não aparentado”, justifica o diretor do CTMO do INCA. Segundo ele, recentemente, o Ministério da Saúde publicou uma portaria para estimular o crescimento dos leitos nos centros já existentes e novos centros em áreas onde não havia centro, nem equipe. “O futuro é promissor, mas temos que manter e sempre atualizar a remuneração adequada para que os centros se interessem em fazer e dar continuidade aos programas”, ressalta.

Por mais transparência

Para Daniel é preciso melhorar e tornar mais eficiente o sistema de cadastro e busca de doadores compatíveis. “Além da demora para cadastrar os novos doadores no REDOME, o INCA diz que esse processo pode levar até 3 meses, o REREME ignora o banco de doadores do Japão em suas buscas principais, mesmo no caso da minha esposa que geneticamente é japonesa, já que todos os seus avós eram japoneses. O departamento busca em vários países do mundo não orientais, como Europa e até na África, e se não encontrarem, só então cadastram por último no Japão”, critica. “São 113 orientais gravemente doentes e que estão sendo vítimas dessa forma indiferente de gestão, já que segundo o próprio REDOME só há um brasileiro cadastrado no banco japonês, que é a Fabiana”, revela.

E segundo Daniel, isso só foi possível porque fizeram uma forte pressão para que Fabiana fosse cadastrada no banco japonês, onde há mais chances dela encontrar um doador compatível. “O que ouvimos de quatro fontes do governo japonês é desesperador, eles dizem que o que dificulta o processo é a recusa e a má vontade do REDOME”, expõe Daniel.

Bouzas justifica que o fluxo de busca internacional segue o mesmo padrão em todos os países do mundo. “A primeira busca é feita no registro do país e no Bone Marrow Donors Worldwide – BMDW (rede mundial de doadores de medula óssea, com 25 milhões de cadastros em registros de todo o mundo). Para os registros que não estão listados no BMDW, fazemos uma busca, posteriormente, em algum registro específico”, garante.

Além disso, outra revelação tem indignado Daniel e sua família. Segundo dados divulgados pelo REDOME/REREME, 70% dos pacientes encontram doadores de medula compatíveis no Brasil, mas a realidade é bem diferente. “Esse alto número se refere apenas aos ‘potencialmente compatíveis’ (HLA 6×6 na busca inicial). Lembrando que ter um doador totalmente compatível (HLA 10×10) é a única maneira de realizar o transplante não-aparentado”, explica Daniel.

Ao entrar com pedido no Ministério da Saúde pela Lei de Acesso à Informação, e após prorrogações, negações e recurso, Daniel descobriu que esse número é escandalosamente muito menor. De acordo com os dados liberados pelo INCA (e verificados pela revista Mundo Ok) apenas 19% (241 dos 1266 cadastrados) dos doentes encontraram doadores 100% compatíveis no Brasil em 2013, ano com dado completo mais recente, nos demais anos os resultados foram ainda piores.

“Os dados verdadeiros não são divulgados ao público porque implicam em rever a atual política governamental para a área e a portaria 844/2012 que limita as doações nos Estados, entre outras muitas coisas que precisam mudar no sistema”, revela Daniel.

Gabriel, filho mais velho de Fabiana será o doador no transplante haploidêntico
Gabriel, filho mais velho de Fabiana será o doador no transplante haploidêntico

Boas novas

No início de fevereiro, Fabiana recebeu uma excelente notícia dos médicos: ela entrou em remissão total – com 0% da doença no organismo, o que significa que a quarta série de quimioterapia obteve ótimos resultados. “Como não se trata de uma cura definitiva, mas de uma ‘cura temporária’, já que no seu tipo de leucemia há muitas chances de voltar rapidamente, e de uma forma mais grave, o transplante continua sendo indispensável”, explana Daniel.

Contudo, Fabiana ainda não encontrou um doador 100% compatível nem no Brasil, nem no Japão, e em nenhum dos outros 46 bancos internacionais consultados. Por isso os médicos optaram por um “plano B”, para aproveitar a “janela” de oportunidade. “A Fabiana vai realizar um transplante haploidêntico (50% compatível-idêntico) com um familiar de primeiro grau, no caso nosso filho Gabriel, que já realizou todos os exames e é o mais indicado para a doação”, revela.

O transplante haploidêntico, esclarece Daniel, ainda não é muito difundido no Brasil – apenas três hospitais realizam o procedimento: Hospital Israelita Albert Einstein, São Camilo e Sírio Libanês –, trata-se de uma nova tecnologia que tem dado bons resultados, principalmente quando o paciente entra em remissão total, como é o caso da Fabiana.

“O haploidêntico vem sendo desenvolvido em vários países, especialmente nos Estados Unidos, e é uma alternativa para as pessoas que não encontram um doador compatível em nenhum banco. Antigamente esse tipo de tratamento era muito caro e não era viável, mas com as novas pesquisas ele tem se tornado realidade”, elucida Lúcia. “Estamos, inclusive, lutando para a inclusão e regulamentação desse transplante no SUS, acredito que daqui a alguns anos ele já esteja disponível”, completa a presidente da SBTMO.

Na segunda semana de fevereiro Fabiana retorna ao hospital para a preparação para o transplante, com sessões de quimioterapia e radioterapia específicas. Gabriel passará pelos procedimentos habituais de doação: durante cinco dias vai tomar uma medicação para estimular a produção de medula óssea, e depois fará o procedimento por aférese. “Ele está muito feliz em poder ajudar a mãe. Nós estamos muito otimistas com o transplante. Confiamos muito no tratamento e na equipe do Hospital São Camilo. Continuamos com o pensamento positivo, com fé em Deus e muita oração para que tudo dê certo”, enaltece.

Mesmo com as boas notícias, Daniel afirma que a campanha por mais cadastros de doadores de medula óssea continua. “Vamos seguir com a campanha pela esperança e pela vida para todas as pessoas que precisam de um transplante para sobreviver, e que sequer têm condições clínicas, pessoais ou financeiras para realizar um transplante haploidêntico”, finaliza.

 

Como doar

Para se tornar um doador de medula óssea é necessário apenas ter entre 18 e 55 anos e boa saúde. O processo é simples e você, caro leitor, também pode ajudar a salvar uma vida!

1. Para se cadastrar no REDOME e se tornar um doador de medula óssea, basta se dirigir ao hemocentro mais próximo. Em São Paulo, vá até a Santa Casa de Misericórdia. Por lá você irá preencher um cadastro com dados pessoais e será coletada uma amostra de sangue (de 5 a 10 ml) para testes, que determinam as características genéticas que são necessárias para a compatibilidade entre doador e receptor. Localize o hemocentro da sua cidade no site: www.fabianaikeda.com.

Em São Paulo:

Santa Casa de Misericórdia

Rua Marquês de Itu, 579 – Vila Buarque

Telefone: 11. 2176-7000 / 0800-167-055

2. Os dados cadastrados ficarão disponíveis para a consulta em todo o Brasil e o sistema realiza o cruzamento com os dados dos pacientes que estão necessitando de um transplante. Pronto, você já é um doador de medula óssea! Uma vez cadastrado, você poderá ser chamado para doar até os 60 anos. Por isso, é essencial que você mantenha seu cadastro sempre atualizado, para que seja localizado em uma possível convocação. Caso haja alguma mudança, preencha o formulário nesse link: http://www1.inca.gov.br/doador/.

3. Em caso de compatibilidade com um paciente, você é chamado para realizar exames complementares para verificar a compatibilidade, seu estado de saúde e confirmar a doação.

 

4. A doação de medula óssea ocorre no hospital habilitado mais próximo da sua residência. A medula será retirada por aférese ou por punção, nos dois casos você terá alta no mesmo dia. E sua medula se recompõe em apenas 15 dias.

(Com informações do Instituto Nacional de Câncer Jose Alencar Gomes da Silva – INCA)