Opinião: A Comunidade na berlinda

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A comunidade vive um momento de grandes dúvidas, que pede, dos líderes, ações mais objetivas e de todos os nikkeis, aos menos daqueles que ainda estão interessados, uma dedicação mais desinteressada e mais coletiva. Os jovens estão se desgarrando, os de meia idade estão se acomodando e os mais velhos estão cansados e desiludidos. Ou começamos agora um trabalho de novamente aglutinar os nikkeis, ou vamos ter uma comunidade dividida e fragilizada, com cada segmento (beisebol, karaokê, taikô, gatebol, etc) cuidando apenas dos seus interesses. Aliás, este processo vem avançando continuamente com as “panelas” se fechando cada vez mais, criando grupos autônomos que praticamente não se comunicam mais…

Durante anos o vigor da comunidade foi mantido pelas entidades básicas, os popularmente conhecidos “kaikans”. Desde os primeiros anos pós-imigração, os japoneses foram se agrupando em guetos rurais e urbanos, construindo primeiramente as escolas de língua japonesa. Com o tempo, foram se transformando em associações (kaikans) que serviam como mantenedoras e transmissoras da cultura, das relações sociais e dos esportes. Em 1958, ano do cinquentenário da Imigração Japonesa, as brigas entre facções acontecidas após o término da guerra já estavam apaziguadas e a comunidade iniciava um ciclo de sucesso. Os japoneses começaram a ser reconhecidos como importantes na economia do País, principalmente no setor agrícola; seus filhos e netos começavam a tomar de assalto as principais universidades, principalmente dos estados de São Paulo e do Paraná; outros, já formados, começavam a despontar na vida profissional e até na política; nos esportes, um nissei já tinha conquistado a primeira medalha olímpica brasileira na natação e as competições intercoloniais de beisebol, atletismo, tênis de mesa e sumô tinham a participação de dezenas de milhares de nikkeis; por todos os cantos pipocavam escolas de língua japonesa (nihongako); filmes japoneses lotavam cinemas na capital e no interior; igrejas budistas, metodistas, católicas e filosofias como a Seichô-no-Iê e a Tenrikyo estavam presentes em muitas cidades, cuidando da espiritualidade dos nikkeis. Enfim, a comunidade vivia em expansão, com um turbilhão de atividades e eventos, cuja participação era ativa de praticamente todos os nikkeis, tendo sempre a entidade “kaikan” como célula-base e o trabalho voluntário de muitos como sustentação.

A primeira crise começou a se formar ainda nos anos sessenta, na substituição das diretorias dessas entidades. Os velhos imigrantes relutavam em passar o bastão para a nova geração e nessa briga perdeu-se tempo, energia e, principalmente, jovens competentes. Jovens que começaram a se reunir em entidades paralelas (principalmente na cidade de São Paulo) para organizar eventos sociais (“bailinhos”) e esportivos. Praticamente nenhum desses grupos sobreviveu, mas fizeram um grande estrago – no bom sentido. A partir da metade dos anos setenta, as atividades da comunidade, tanto culturais, sociais e esportivas, começaram a perder força. Mas, foi nos anos oitenta e noventa que a coisa começou a degringolar. As pessoas começaram a pensar mais em si e menos na coletividade, mais em divertir do que em servir. Aos poucos, os kaikans e os clubes esportivos foram enfraquecendo. Se a coisa já caminhava mal, o fenômeno dekassegui piorou ainda mais todo esse cenário.

O quadro atual é de muitas entidades sendo dirigidas por gente muito velha, alguns com mais de 80 anos, quando diretorias operacionais deveriam ser compostas por membros na faixa de 40 a 50 anos. Gente comum que trabalha verdadeiramente e no anonimato (os que ainda “carregam o piano”) são poucos e estão diminuindo. Sem a devida reposição destes trabalhadores voluntários, muitas entidades estão capengando. E muitas atividades que hoje estão em destaque não estão acopladas às associações, formando grupos autônomos dissociados de todo o resto.

O trabalho de reaglutinação da comunidade não é simples, nem fácil. Precisa envolver todos os segmentos da comunidade, com o comando do Bunkyo. Ou não é esta a função desta entidade maior? Este ano é de comemoração de 120 anos do Tratado de Amizade entre o Brasil e o Japão. Carnaval com a Águia de Ouro foi bom e importante, show de fogos em Interlagos vai ser legal, mas o que a comunidade como um todo está precisando, mesmo, é de um trabalho mais sério, mais envolvente e mais consistente. Porque se tardar… vamos acabar sambando!