A eterna dama das artes plásticas brasileiras faleceu em fevereiro, mas deixou para sempre na história seus ensinamentos e suas obras
Fotos Divulgação e Denise Andrade
No início de fevereiro o mundo das artes e seus adoradores perderam uma grande e autêntica representante, a artista plástica japonesa Tomie Ohtake, que no auge dos seus 101 anos ainda fazia o que mais gostava: pintar! Considerada uma espécie de embaixatriz das artes e da cultura no Brasil, pela carreira consagrada e construída ao longo dos últimos 60 anos, Tomie deixou um legado imensurável com centenas de pinturas, gravuras e esculturas que ficarão para sempre.
A artista nasceu em Kyoto, no Japão, no dia 21 de novembro de 1913, onde fez seus estudos. Chegou ao Brasil em 1936 para visitar um de seus cinco irmãos. Impedida de voltar devido ao início da Guerra do Pacífico acabou ficando e adotando as terras tupiniquins como seu verdadeiro lar. Casou, criou os dois filhos e só com quase 40 anos começou a pintar, incentivada pelo artista japonês Keiya Sugano.
Baseado na relação entre forma e cor, gesto e geometria, Tomie criou ao longo de seis décadas de carreira uma linguagem única, trilhando um caminho independente em seu eterno reinventar, que conquistaria crítica e público. Em sua extensa trajetória participou de 20 Bienais Internacionais (seis de São Paulo, Veneza, Tóquio, Havana, Cuenca entre outras), contabiliza mais de 120 exposições individuais – em São Paulo e mais vinte capitais brasileiras, além de Nova Iorque, Washington DC, Miami, Tóquio, Roma, Milão –, e quase quatro centenas de coletivas, entre o Brasil e o exterior, e recebeu 28 prêmios.
O frescor e o esplendor de sua arte também foram celebrados na publicação de dois livros, vinte catálogos e oito filmes/vídeos, entre os quais o documentário lançado em dezembro de 2014 pela cineasta Tizuka Yamasaki, que retrata com afetividade e delicadeza o universo da artista, mesclando momentos íntimos de Tomie com depoimentos críticos de Paulo Herkenhoff, Agnaldo Farias e Miguel Chaia.
Do grande público ficou conhecida, principalmente, pelas mais de 30 obras públicas, suas grandes esculturas, que mudaram a paisagem urbana, não só da cidade de São Paulo, como também de Belo Horizonte, Curitiba, Brasília, Araxá e Ipatinga, além das províncias de Tóquio e Okinawa, no Japão.
“A obra que fica situada no espaço público tem necessariamente que conversar com o espaço e com o público. Isso é fundamental para um painel, uma escultura ou outro trabalho que não as tradicionais pinturas ou obras em outras dimensões. Você me pergunta como concebo o espaço. Ora, olhando o espaço e perguntando como o público vai interagir com a obra: quais as perspectivas, o que há na frente, atrás, dos lados, a que distância as pessoas vão ver e até onde se aproximam, por onde passa o olho, etc”, disse Tomie Ohtake em 2005 à revista “ArtNexus”.
Em novembro de 2001, em uma grande homenagem a essa artista, é inaugurado em São Paulo, o Instituto Tomie Ohtake. O centro cultural, um projeto de autoria do arquiteto Ruy Ohtake, filho da artista, ocupa uma área de 7.500 m² e tem como principal objetivo difundir e refletir, por meio de exposições, oficinas, cursos, debates e publicações, a história e as grandes transformações das artes ocorridas desde os anos de 1950 até aquelas que estão em curso atualmente.
Mesmo nos últimos anos de sua vida, Tomie continuou trabalhando e seu ateliê seguiu cheio de peças inéditas. Só em 2013, ano em que completou 100 anos, ela comemorou o centenário com 17 exposições pelo Brasil, com destaque para as duas realizadas no Instituto que leva o seu nome. “Nunca pensei que estaria viva aos cem anos, mas essa idade chegou sem que eu sentisse nada”, comentou a artista na época. “Só sei que gosto muito de trabalhar e fico feliz pintando”, revelou.
São Paulo mais Ohtake
Na década de 1980 as obras de Tomie começaram a se espalhar pelo Estado, deixando a paisagem mais colorida e curvilínea. Confira as principais esculturas da artista que se destacam entre os prédios e avenidas
** 1988: Escultura na Avenida 23 de maio, na capital paulista, em concreto armado pintado com 40m de comprimento, comemorativa aos 80 anos de imigração japonesa no Brasil. As ondas de concreto já fazem parte da paisagem paulistana e emprestam um instante de calma a avenida onde tudo flui com muita pressa.
** 1988: Painel de forma irregular em tapeçaria, com 70 metros de largura, para a parede lateral do Auditório do Memorial da América Latina, na zona Oeste de São Paulo, que tem arquitetura de Oscar Niemeyer.
** 1997: Escultura em aço inoxidável com 5 metros de altura, pesando três toneladas, comemorativa da visita dos imperadores do Japão à Universidade de São Paulo (USP).
** 2004: Painel ocupando a parede fronteiriça e o teto do hall principal do Auditório do Ibirapuera, de 20 x 20 metros, em perfis de aço galvanizado e placas de gesso cartonado, que dialoga intimamente com a arquitetura de Oscar Niemeyer.
** 2008: Escultura em aço, pintada de vermelho, com 9 metros de altura e pesando 20 toneladas, na borda da avenida de acesso ao Aeroporto Internacional de São Paulo, em Cumbica, Guarulhos, criada em comemoração ao Centenário da Imigração Japonesa no Brasil.
** 2008: Escultura em aço, pintada de vermelho, de 15 metros de altura, pesando 60 toneladas, no Parque do Emissário Submarino, na Praia José Menino, em Santos, litoral paulista, inaugurada pelo Príncipe Naruhito do Japão, durante as comemorações do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil.
** 2013: Obra executada em aço carbono pintado, medindo 12 metro de altura, localizada no Monumento aos Trabalhadores, no Paço Municipal de Santo André, na região do Grande ABC.