Um colega da Academia Paulista de Letras Jurídicas, conhecido pelo seu rigor científico, certa feita, ao ouvir o discurso do Diretor de uma tradicional Faculdade de Direito manifestando grande esperança no futuro da instituição, calcada nos seus “jovens doutores” não se conteve e disparou: “a postura do Diretor é tão simpática quanto equivocada, derivando a sua sesquipedal ignorância, pois ele não tem a menor noção do que seja ‘cultura’, e do que é ‘educação’, ignorando ademais o vernáculo.”…
Assiste razão ao nobre acadêmico. A educação é como uma corrente que no dizer de Arthur Conan Doyle “nenhuma corrente é mais forte do que o seu elo mais fraco”. De fato, se o ensino fundamental, o primeiro elo da corrente, não é levado a sério, não é de se esperar uma pós graduação de alto nível. A educação no Brasil virou uma farsa, onde apenas a quantidade importa. Implantou-se um regime de degradação dos professores do ensino fundamental com remunerações humilhantes na maioria das regiões do País, resultando no seu esfacelamento. Acontece o mesmo no ensino médio e no ensino superior, pois a educação é uma corrente onde os conhecimentos são sedimentados de forma sequencial.
Modificações introduzidas no ENEM (Exame Nacional do ensino Médio) em 2009 permite que um adolescente de 15 anos se matricule na Faculdade sem ter concluído o ensino médio, pois esse exame passou a valer como certificação do ensino médio. Passa-se por cima da natureza humana que exige o amadurecimento mental, social e emocional para progressão nos diferentes níveis de ensino. Outrossim, hoje temos o acesso às universidades por cotas raciais e por nível de pobreza, confundindo a finalidade da educação a ser perseguida pelo Ministério da Educação e Cultura, com a finalidade assistencial a ser implementada pelo Ministério da Previdência e Assistência Social. A interação ministerial é desejável, mas nunca ao ponto de um anular o objetivo do outro. Não é por outra razão que hoje temos 68% de analfabetos funcionais, isto é, os que sabem ler e escrever, mas não sabem processar o que leram e escreveram. O que é pior, 1/3 da rede privada de ensino superior, notadamente a de Direito, é bancada pelo governo por meio do Fundo de Financiamento Estudantil – Fies – que empresta dinheiro a fundo perdido, cerca de 18,6 bilhões anuais. Até quando esse impensado programa poderá prosseguir? Enquanto isso, na área da medicina, que não é protegida pelo governo, há carência de profissionais a justificar a importação de médicos cubanos.
Esse sistema educacional pervertido caminha a longos passos para o caos total. Não raras vezes, encontramos teses de doutorado que ultrapassam mais de 800 páginas e que não têm começo, meio e fim. São amontoados de frases recortadas das publicações da Internet e transpostas para uma apostila, sem a menor preocupação com a seleção e ordenação desses textos díspares que nada têm de comum. Só para citar, confunde-se coligir, com colidir; fato gerador de tributo, com gerador de eletricidade, acento, com assento, elusão com erosão etc.
Parodiando Roberto Campos e eu diria que estamos vivendo uma era em que os alunos fingem estudar, os professores fingem ensinar e os intelectuais pararam de pensar. A continuar assim o Brasil será o maior detentor de doutores do planeta, apesar de a sua melhor Universidade situar-se na modesta 131ª posição no ranking mundial, perdendo no âmbito latino-americano para a Universidade Católica do Chile.[1] Alguns dos doutores carregam consigo os miasmos tenobrosos da pior das endemias: o desconhecimento da linguagem pátria.
[1] Em 2015 a USP subiu para o patamar 51-60. Só que as universidades dos EUA, Reino Unido e do Japão também subiram. Ficou tudo como dantes.
KIYOSHI HARADA é jurista e acadêmico com 29 obras escritas e Presidente do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social.