Cientista brasileira, Priscila Kosaka, desenvolve técnica para diagnóstico da doença antes do aparecimento dos sintomas
Fotos Arquivo Pessoal
Todos os anos, centenas de pessoas lutam, em todo o mundo, contra o câncer. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde estima-se que até 2030, 21,4 milhões de novos casos da doença surja em todo o planeta, com 13,2 milhões de mortes. Para ajudar no diagnóstico precoce da doença, a cientista nipo-brasileira Priscila Kosaka, de 35 anos, desenvolveu uma técnica para detecção de câncer que consegue identificar a doença antes mesmo do aparecimento dos sintomas. A tecnologia criada por ela usa um nanosensor com sensibilidade 10 milhões de vezes maior que a dos métodos dos exames tradicionais.
Neta dos japoneses Goichi e Hana Kosaka e natural de Brasília, a cientista trabalha com nanotecnologia há 12 anos, e há 7 mora em Madri, onde atua no Bionanomechanics Lab, no Instituto de Microelectrónica de Madrid (IMM), um centro de pesquisas do Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC). “Saí do Brasil porque o campo de biosensores nanomecânicos me chamou atenção e ninguém no Brasil trabalhava com isso”, explica.
“Cheguei para trabalhar aqui em Madri com o objetivo de conseguir desenvolver uma técnica altamente sensível e fiável para a detecção precoce de doenças como o câncer”, conta. Segundo ela, para poder chegar à fase de testes em pacientes reais existe muita burocracia, mas “estamos trabalhando para poder chegar a essa etapa”.
De Madri, Priscila conversou com a Mundo Ok e explicou em detalhes a sua descoberta e os benefícios que ela pode trazer a população. Confira a entrevista!
Mundo Ok: Há quanto tempo trabalha na pesquisa?
Priscila Kosaka: Trabalho em busca de um resultado como esse desde o meu primeiro dia no Bionanomechanics lab. Foram quase seis anos de trabalho duro para conseguir este resultado publicado na revista Nature Nanotechnology.
Mundo Ok: Como a técnica funciona?
Priscila: Nosso trabalho centra-se no desenvolvimento de uma tecnologia para a detecção de biomarcadores de baixa abundância secretados na corrente sanguínea por tumores em seus estágios iniciais de crescimento. Espera-se que estes biomarcadores específicos do início do desenvolvimento do tumor sejam descobertos por tecnologias Proteómicas emergentes. Atualmente todos os biomarcadores de câncer usados em clínica não são específicos a um tipo de câncer, são marcadores de inflamações e reações de proliferação, e são usados para seguir o crescimento oncológico de cânceres avançados e a resposta ao tratamento aplicado ao paciente. E ainda não existe nenhuma tecnologia com sensibilidade e especificidade suficientes para detectar proteínas de baixa abundância no sangue. Mas, os avanços nas tecnologias de micro e nanofabricação permitiram atingir transdutores mecânicos cada vez menores, cuja vibração é sensivelmente modificada quando ocorre uma adsorção na sua superfície. Imagina um trampolim, mas muito pequenininho, essa é a forma mais comum desses sensores nanomecânicos, os cantilevers. Para este trabalho, nós usamos dois passos de biorreconhecimento para melhorar a seletividade e amplificar o sinal do sensor devido ao reconhecimento do biomarcador. O cantilever é colocado em contato com a amostra e, se o biomarcador que buscamos, está presente na amostra, este será capturado pelos anticorpos que estão na superfície do cantilever. Após a captura do biomarcador, esse dispositivo com forma de trampolim é colocado em uma solução com nanopartículas de ouro. Nessas nanopartículas também se imobiliza um anticorpo que também reconhece o biomarcador. A etapa final é muito simples, se o biomarcador tumoral está na amostra, será gravado pela presença de nanopartículas de ouro na superfície do cantilever. A nanopartícula de ouro no nosso nanosensor funciona como uma etiqueta de massa e de cor, as duas assinaturas são reveladas pelo cantilever que “pesa” a massa das nanopartículas (isso vai modificar a vibração do cantilever) e que muda de cor devido às nanopartículas capturadas.
MOK: Quais os principais benefícios da técnica?
Priscila: Podemos usar esse nanosensor para ajudar na descoberta de novos biomarcadores específicos com o início do câncer, antes mesmo que apareça algum sintoma. Além disso, a técnica tem a sensibilidade necessária para buscar esses biomarcadores em uma amostra de sangue e assim, o paciente não precisa passar por um exame invasivo, como uma biópsia, pode fazer um simples exame de sangue.
MOK: A tecnologia já consegue identificar qual é o tipo de câncer do paciente, ou isso será desenvolvido em uma próxima etapa do estudo?
Priscila: Temos que colaborar com outros grupos que trabalham com o descobrimento de biomarcadores de câncer e aplicar nossa tecnologia para ajudar na descoberta de biomarcadores que sinalizam o início do desenvolvimento de um tipo específico de tumor.
MOK: Quão segura é a técnica?
Priscila: Os ensaios realizados em laboratório simulando uma amostra real alcançou um limite de detecção de 10 milhões de vezes mais sensível do que os métodos atuais e uma taxa de erro de apenas 2 em cada 10.000 ensaios.
MOK: Além de detectar o câncer, poderia colaborar também no diagnóstico de outras doenças?
Priscila: Também queremos provar que esse nanosensor pode detectar doenças como o mal de Alzheimer, AIDS…
MOK: Em quanto tempo acredita que essa tecnologia estará disponível para a população?
Priscila: É difícil dar um prazo, existem muitas etapas até chegar ao mercado. Para a pesquisa 10 anos não é muito tempo, todos os testes e experimentos exigem muitas repetições e ajustes muito finos que precisam ser feitos pouco a pouco. Para aperfeiçoar algo temos que testar cada parâmetro por vez e isso leva muito tempo. Existem diversas etapas para aprovar esse sensor para uso clínico. Concluímos a primeira, agora estamos trabalhando duro para concluir as seguintes o mais rápido possível. Nosso objetivo é um nanosensor ultrassensível e com baixo custo. Só assim todas as pessoas terão acesso ao exame.
MOK: O que a motivou a desenvolver essa pesquisa?
Priscila: Conseguir proporcionar uma melhor qualidade de vida para as pessoas foi o que me motivou. Quero que o diagnóstico precoce do câncer seja uma realidade em alguns anos.
MOK: Para finalizar, quais são as próximas etapas da pesquisa?
Priscila: A próxima etapa é trabalhar para poder transformar nossa tecnologia em um produto acessível. Além da viabilização do sensor espero colaborar com pesquisadores que se dedicam a descobrir potenciais biomarcadores que sinalizam o início do câncer. Espero poder ajudar na descoberta desses biomarcadores com a nossa técnica.