Tradição: Criando raízes

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No início do século 20, assim como ocorria no resto do Japão, Okinawa passava por um momento muito difícil. A região era especialmente pobre e sua principal cultura agrícola a cana-de-açúcar, estava desvalorizada nessa época. Os alimentos eram escassos e muitos comiam apenas batatas. Um enorme contingente de pessoas emigrou para outros países (inclusive o Brasil) em busca de uma vida melhor. Logo na primeira leva do Kasato Maru, via-se que a maioria era de okinawano. Dos 781 imigrantes, 325 eram da província de Okinawa… 

Shinji YonamineJá desembarcados no Brasil e após passarem pela Hospedaria dos Imigrantes, em São Paulo, os okinawanos foram encaminhados para as fazendas paulistas localizadas na região da linha ferroviária Mogiana e Sorocabana. Em pouco tempo, seus hábitos começaram a causar estranheza para os brasileiros e, até mesmo para outros japoneses. Poucos anos haviam se passado desde a anexação de Okinawa pelo Japão, o que fazia com que muitos japoneses ainda não estivessem habituados às diferenças culturais em relação aos okinawanos. Para muitos japoneses, o dialeto falado por eles requeria até mesmo a intervenção de intérpretes.

Os nativos de Okinawa e de Kagoshima foram acusados pelo governo brasileiro de não cumprirem os contratos, pois fugiram das fazendas e criaram confusões entre os brasileiros que trabalhavam nas lavouras. Todas as acusações fizeram com que a imigração das duas províncias fosse suspensa. A partir desse momento, um okinawano só poderia imigrar ao Brasil, caso houvesse um chamamento de um familiar que já estivesse instalado aqui. Essa restrição, assim como todas as acusações que receberam, alimentou o sentimento de injustiça entre os okinawanos, que acreditavam que muitas questões eram distorcidas e os problemas apontados não eram responsabilidade exclusiva deles, mas eram comuns a todos os imigrantes. Dessa forma, os okinawanos mobilizaram-se para reivindicar seus direitos e pleitear a revisão da medida de restrição. Foi nesse momento que surgiram as primeiras associações da província.

Em 1926, o Ministério das Relações Exteriores permitiu novamente a imigração okinawana, na condição de que fosse formada uma entidade que se responsabilizasse pela fixação, orientação e educação dos imigrantes que viessem para cá. Em vista disso, foi fundada a Kyuyo Kyokai, que contava com a participação de 46 sedes regionais. Esta entidade pioneira foi o embrião da atual Associação Okinawa do Brasil, que mantém 44 filiadas que procuram divulgar, valorizar e manter a cultura okinawana.

Após a guerra, mais de 10 mil pessoas vieram ao Brasil entre 1952 e 1955. Deste total 10% eram de Okinawa, o que constitui uma comunidade de tamanho considerável.

Dos primeiros 325 imigrantes que vieram no Kasato Maru, muitos não se adaptaram às fazendas e acabaram fugindo, desceram a serra em direção a Santos e se estabeleceram na ponta da praia plantando verduras, trabalhando como estivadores no porto ou na construção da ferrovia Santos-Juquiá. Cerca de 160 pessoas foram para a Argentina e se estabeleceram em Kaminito, bairro portuário de Buenos Aires, junto com outros imigrantes okinawanos que foram caminhando do Peru para se estabelecer na Argentina.

Alguns voltaram para o Brasil via Rio da Plata, chegando a Porto Esperança, na divisa de Mato Grosso do Sul com São Paulo, onde trabalharam na construção da ferrovia noroeste, se estabelecendo na atual cidade de Campo Grande (caso das famílias Nakao, Oshiro, Miyashiro, entre outras).

Os primeiros okinawanos que saíram de Santos em direção à São Paulo se estabeleceram nas localidades de Mauá, Suzano e Vila Prudente. Quando os conterrâneos começaram a abandonar as fazendas do interior para se aventurar em São Paulo, após 1950, os okinawanos da Vila Prudente já trabalhavam em feiras.

Na verdade, a forte ligação familiar que é característica dos okinawanos, se refletiu também na distribuição geográfica pela cidade. Em São Paulo, cada lugar onde existe uma concentração de okinawanos, possui uma característica regional. Isso porque quando alguém começava a prosperar, chamava logo um parente, que acabavam concentrados em determinado bairro. Isso, de certa forma, explica o grande número de associações desta província em São Paulo.

SHINJI YONAMINE é palestrante da cultura e tradições de Okinawa. E-mail: shinjiyonamine9@gmail.com.