Médicos e outros profissionais da saúde discutem na justiça o direito de praticar a acupuntura, técnica milenar chinesa
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Durante as últimas semanas a decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1° região, que acatou a ação movida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pelo Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura (CMBA), e anula as resoluções dos conselhos de outros profissionais da saúde sobre a prática da acupuntura, causou “burburinho” entre os praticantes da técnica no Brasil, deixando no ar a dúvida: a partir da publicação da decisão – que aconteceu no início de abril, quem poderia exercer a arte das agulhas?
A história é longa… desde 2001 o CFM e o CMBA tentavam na justiça a anulação das resoluções dos conselhos Federais de Psicologia (CFP), Farmácia (CFF), Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito), Fonoaudiologia (CFFa) e Enfermagem (Cofen), que autorizavam a prática das técnicas de acupuntura por esses profissionais.
Muito foi divulgado que a partir dessa decisão apenas os médicos poderiam espetar suas agulhas por aí. Mas… há controvérsias! “Não existe nenhuma lei e em nenhum momento a recente decisão fala que a acupuntura seja atividade exclusiva de médicos. Ela apenas suspende o efeito de resolução dos conselhos, e essas entidades vão recorrer aos órgãos competentes para a última palavra que são o Superior Tribunal de Justiça, STJ, e o Supremo Tribunal Federal, STF”, explica o acupunturista Odair Carlos Sabioni, que atua há 22 na área e é presidente do Sindicato dos Acupunturistas e Terapias Orientais do Estado de São Paulo – Satosp, e professor na Escola Oriental de Massoterapia e Acupuntura – EOMA e no Centro de Desenvolvimento de Massagem, Fisioterapia, Acupuntura e Psicologia – Cedemfap.
O CFM e o CMBA argumentam que a acupuntura trata doenças e de que no Brasil, o diagnóstico e tratamento de enfermidades são atividades exclusivas de médicos, além disso, por ser um procedimento invasivo (ultrapassa a pele e o tecido subcutâneo), só pode ser exercida por “profissionais com a devida formação”. “Para se iniciar o tratamento de uma doença, ela precisa antes ser diagnosticada, caso contrário, poderiam ser tratados somente alguns de seus sintomas. Um praticante de acupuntura sem formação adequada pode tratar apenas a dor, sem identificar a causa, deixando a doença propriamente dita progredir perigosamente, colocando o paciente em risco”, explica o médico especialista em acupuntura, Hildebrando Sabato, que trabalha com a técnica há mais de 20 anos, e é presidente do CMBA, órgão oficial da acupuntura médica do Brasil.
Sabioni lembra que o verdadeiro acupunturista faz uma avaliação energética funcional, o que nada tem a ver com um diagnóstico clínico. “Pela medicina tradicional chinesa a avaliação do paciente é realizada levando em conta o conceito da energia Yin e Yang, a teoria dos 5 elementos da natureza e dos 8 princípios, assim conseguimos entender a constituição da pessoa e saber se o corpo está com a energia equilibrada”, detalha.
O que discorda o presidente do CMBA: “A medicina é só uma, as doenças são as mesmas e acometem os mesmos seres humanos. Para se fazer qualquer abordagem médica, pelo sistema da acupuntura tradicional ou contemporânea ou da medicina alopática é imprescindível um diagnóstico completo do estado de saúde do paciente”, afirma.
Sabioni rebate: “O acupunturista só inicia um tratamento quando o paciente vem com um diagnóstico médico. Quando acontece do paciente se apresentar sem uma prescrição médica, o acupunturista recomenda a visita ao médico. É isso também o que ensinamos nas aulas”, ressalta.
Em nota publicada pelo Tribunal, além da questão do diagnóstico, o relator do caso no TRF, o juiz federal Carlos Eduardo Castro Martins, entendeu que não se pode atribuir novas funções a um profissional por meio de resoluções feitas pelos conselhos, já que estes não têm legitimidade para legislar sobre o exercício das profissões. Questão que é discutida pelos que são contrários a decisão: “Se não é permitido por lei a esses conselhos da área da saúde tomarem esse tipo de responsabilidade também não o é para o Conselho Federal de Medicina, que tomou essa mesma resolução, em1995”, argumenta o presidente do Satosp.
Como não há uma legislação que regulamente a prática da acupuntura no Brasil, apesar dos vários projetos de lei apresentado, as discussões a respeito de quem deve ou não praticá-la continuam… A dúvida que fica é, então, na prática o que mudou depois da decisão do TRF?
Para Sabato fica suspensa a prática da técnica pelos profissionais cujas resoluções tiveram seus efeitos interrompidos. “Cabe aos conselhos a advertência, fiscalização e punição de quem infringir o estabelecido. A não obediência cabe denúncia ao respectivo Conselho, e se esse não tomar providências, cabe interpor medidas judiciais”, assegura.
Já Sabioni acredita que os acupunturistas podem continuar atuando uma vez que a profissão não é regulamentada. “Sendo assim, continua a valer a Constituição Federal (Artigo 5°, inciso XIII), que diz ser livre para qualquer cidadão o exercício da profissão não regulamentada por lei, desde que qualificado para tanto. Já os profissionais cujas resoluções foram anuladas só não podem manter as duas profissões juntas. Um fisioterapeuta pode, por exemplo, atuar como fisioterapeuta em um consultório e em outro como acupunturista”, explica.
A acupuntura no Brasil
Em 1988 foi implantada nos serviços públicos de saúde, segundo dados do Ministério da Saúde, só em 2011 foram realizadas 621 mil sessões de acupuntura no Brasil, só no Sistema Único de Saúde, principalmente nas Unidades Básicas de Saúde, nos Núcleos de Apoio à Família e em hospitais.
Atualmente há cerca de 30 mil acupunturistas no Brasil, segundo estimativa do Satosp, entre eles aproximadamente 10 mil médicos acupunturistas, de acordo com o CMBA.