O hospital Santa Cruz, que nasceu para atender às necessidades dos imigrantes japoneses, completou seus 73 anos com promessa de inaugurar nova fase em sua história
Fotos Divulgação
O aniversário comemorado no último 29 de abril teve um gostinho especial já que o hospital acaba de compor uma nova diretoria, que vem com ânimo e vontade de reparar as falhas das administrações passadas e recuperar a credibilidade do hospital, honrando 73 anos de uma trajetória admirável que teve como seu marco inicial a luta dos próprios imigrantes japoneses para a construção de um hospital que pudesse atender às suas necessidades.
À frente da nova diretoria estão o executivo Renato Ishikawa, 73 anos, e o ex-presidente do hospital, Renato Nakaya, que continua como vice-presidente, além de uma equipe composta por diretores de áreas de conhecimentos distintos (confira entrevista completa com Renato Ishikawa).
Hoje, apesar da fama de “hospital japonês”, 70% dos usuários do Santa Cruz são não-descendentes de japoneses. Mesmo assim, a administração do hospital faz questão de manter características peculiares como médicos e funcionários com fluência no idioma japonês e até um cardápio com alguns pratos da culinária japonesa.
Localizado no bairro da Vila Mariana, em um terreno de 14.400m2 e área construída de 7 mil m2, o Santa Cruz (que recebeu o mesmo nome da rua onde está localizado) conta com 166 leitos, incluindo UTIs e é mantido pela Sociedade Brasileira e Japonesa de Beneficência Santa Cruz. Com um quadro composto por 1.100 funcionários, o hospital atende cerca de 26 mil pessoas por mês, incluindo atendimento ambulatorial, internações e pronto atendimento entre outros.
No mês passado, o hospital recebeu a Salva de Prata, em cerimônia na Câmara Municipal de São Paulo. Com iniciativa de Victor Kobayashi, presidente de honra do Instituto Kobayashi, a honraria é concedida pela Câmara a empresas e entidades de relevante atuação na sociedade.
Neste mês, o hospital ganhou um jardim em estilo japonês, destinado não só à contemplação, mas à integração dos funcionários. Composto por plantas de fácil manutenção e algumas características do Japão, como pés de sakurá, o projeto do jardim foi doado ao hospital pelo paisagista Alex Hanazaki.
História – Inaugurado em 29 de abril de 1939, o hospital Santa Cruz teve esse dia e mês escolhidos de maneira especial, já que é a mesma data de aniversário do imperador Hirohito, pai do atual imperador do Japão, Akihito, cujas ações foram responsáveis por boa parte do financiamento da construção do hospital.
Naquela época do Brasil de imigrantes, os japoneses tinham dificuldade para cuidar da saúde, em especial por conta da ausência de atendimento em idioma japonês. Com isso, a comunidade se mobilizou para criar um hospital voltado aos imigrantes e, não foram poucos, os que fizeram doações em dinheiro para a execução do hospital.
A documentação histórica do hospital tem entre seus itens seis grandes livros onde constam os nomes de todos os doadores da época, inclusive pessoas de outras regiões do Estado de São Paulo, como o interior paulista, por exemplo. “Naquela época essa colaboração foi levada muito a sério pelos imigrantes que faziam sacrifícios para garantir a contribuição para a construção do hospital”, relembra a relações públicas do Santa Cruz, dona Yuli Fujimura.
Com quase 20 anos de dedicação profissional ao hospital, ela é encarregada de zelar por toda a documentação histórica do Santa Cruz. “Tudo começou com um grupo de médicos, o Brasil-Japão Dojinkai, que teve o desejo de construir um hospital para a comunidade. Na época, eles já prestavam assistência médica aos japoneses e seus familiares. Depois veio a mobilização de toda a comunidade e a grande ajuda por parte do governo japonês, não só em dinheiro, mas até com material. As vigas de ferro, por exemplo, foram importadas do Japão”, relembra ela.
O médico japonês Shizuo Hosoe, formado na mais renomada escola de medicina daquele país foi responsável pela integração entre os japoneses e os brasileiros, renomados médicos como Benedito Montenegro, Alípio Corrêa Neto, José Maria de Freitas, Henrique Mélega, Antônio Prudente, Euriclides de Jesus Zerbini, Anísio Costa Toledo e muitos outros.
Essa cooperação e integração foi interrompida somente por alguns anos durante a II Guerra Mundial e sob a ditadura do governo de Getúlio Vargas. Na ocasião havia uma forte política de nacionalização no Brasil, o que reforçava as restrições a grupos e associações estrangeiras consideradas como “inimigos” do Brasil, dentre eles os japoneses. “O hospital passou por um período de intervenção, mas nunca fechou suas portas. Pelo contrário. O hospital chegou a servir de abrigo para muitos japoneses, pois naquela época era exigido um documento, o salvo-conduto para que eles pudessem se locomover… Aí, eles encontravam abrigo no hospital”, conta dona Yuli.
Depois de um período difícil, o hospital ganhou um novo movimento de conscientização, no fim da década de 80, que devolveu à administração o tradicional modelo de gestão conjunta.
Movido a desafios
Aos 73 anos, o executivo Renato Ishikawa assume a direção do Hospital Santa Cruz em momento crítico
Depois de construir uma sólida carreira no mundo executivo, com 25 anos de dedicação à NEC do Brasil, da qual foi presidente, Renato Ishikawa já estaria bastante ocupado com suas atuais funções: administrar uma incorporadora de prédios residenciais, comerciais e condomínios e, sua fazenda no Oeste paulista, onde cultiva café e cria gados.
No entanto, este pai de quatro filhos e avô de quatro netos, decidiu encarar mais um grande desafio: assumir a administração do Hospital Santa Cruz, num momento em que o mesmo passa por dificuldades financeiras e divergências entre o quadro clínico e a administração. E mais: de maneira voluntária.
A nova diretoria, caracterizada pela renovação e por pessoas com experiência em áreas diversas, tomou posse no fim de março. Da administração anterior permanece o ex-presidente Renato Nakaya, que continua na direção da instituição, como primeiro vice-presidente.
Para ajuda-lo nesta árdua missão, Ishikawa conta com profissionais experientes como o atual presidente da NEC do Brasil, Herbert Yamamuro; o gerente de marketing e comunicação da CET – Companhia de Engenharia de Tráfego, Rafael Kanki; e o chef sushiman Jun Sakamoto. “Eu já tinha conhecimento dos problemas do hospital. Desde o início do ano tenho me familiarizado com a realidade do hospital. Mas, posso dizer que estou motivado e que será uma honra resgatar a credibilidade do Santa Cruz”, diz otimista.
Grande parte do otimismo e da vontade de trabalhar em prol do “hospital japonês” vem da vida pessoal, dos cuidados com a saúde – ele faz exercícios três vezes por semana – e de alguns prazeres da vida dos quais ele não abre mão. “Gosto de fumar charuto e de apreciar um bom vinho… Sentado na varanda da casa da fazenda… Por lá o ritmo outro. É um verdadeiro anti-estresse”, conta. Conheça, a seguir, um pouco mais sobre essa nova fase da vida de Ishikawa.
Mundo OK – O senhor está animado para liderar o hospital Santa Cruz nesse momento difícil, afinal há uma dívida de R$ 32 milhões, suspeitas de irregularidades administrativas passadas e um quadro clínico insatisfeito com a administração…
Renato Ishikawa – Realmente o hospital vem enfrentando problemas bem difíceis mas posso dizer que não é nada que tire o meu sono. Estamos preocupados sim, mas acredito que em três anos de trabalho intenso vamos conseguir melhorar muita coisa por aqui.
Mundo OK – Então, poderíamos dizer que é um momento de colocar a casa em ordem?
Ishikawa – Sim. E para isso, conto com uma diretoria bastante diversificada, com pessoas que trazem experiência de várias áreas distintas de atividades, como contábil, financeira, de marketing….
Mundo OK – O senhor presidiu a NEC do Brasil, que também passava por dificuldades… De alguma maneira sua experiência por lá pode ajudar na administração do Santa Cruz?
Ishikawa – Sim, com certeza, pois estamos falando em administração, ou seja, como potencializar recursos para que a empresa dê bons frutos. A diferença é que na NEC eu lidava com produtos e aqui são pessoas.
Mundo OK – Quais são os planos daqui pra frente?
Ishikawa – Olha, acho que é possível fazer melhorias em todas as áreas. Não posso indicar exatamente o ponto a ser melhorado, mas dá para melhorar sempre. Dentre as ações queremos investir na melhor informatização dos sistemas para atender às peculiaridades de cada plano de saúde, além de oferecer um melhor atendimento aos usuários do Santa Cruz.
Mundo OK – E também há uma meta de conseguir uma receita mensal de R$ 15
milhões? Isso poderá resultar em corte de despesas e demissão de pessoal? Ishikawa – Demissão não, pois o quadro já é bem enxuto. Pretendemos aumentar o número de usuários do hospital. A parte de check-up, por exemplo, tem mais capacidade do que a demanda atual. Por isso, queremos fazer parcerias com empresas para que estas estimulem seus funcionários a realizar os exames preventivos de saúde.
Mundo OK – E o que deverá ser feito com o Plasac? Este plano de saúde surgiu para atender aos usuários do Santa Cruz, mas hoje parece não ser mais rentável?
Ishikawa – É, de fato, estamos pensando qual destinação dar a ele. Acredito que ele será vendido e aí o novo administrador dará continuidade aos serviços do plano, ou seja, não irá mudar em nada para os usuários do Plasac.
Mundo OK – Embora o Santa Cruz tenha nascido como hospital japonês, hoje cerca de 70% dos usuários são não-descendentes. Com isso, o senhor acredita que o hospital possa perder sua característica original?
Ishikawa – Não, muito pelo contrário. Fazemos questão de divulgar e manter esse atendimento diferenciado no idioma japonês.
Mundo OK – O senhor acredita que a sua gestão, até 2015, será suficiente para melhorar a situação do hospital?
Ishikawa – Acredito que sim. Com muito trabalho de uma boa equipe acredito que até antes disso poderemos comemorar alguns bons resultados.