Opinião: O apagar da Era das Heroínas

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Elas chegaram jovens ao Brasil, no início dos anos 30 do século passado. Vieram solteiras ou recém-casadas e uma grande parcela foi morar no oeste do interior paulista e mesmo nos então rincões do Paraná. Imigraram com a esperança de um futuro promissor em terras distantes, mas o que encontraram foi decepcionante…

Selvas ainda para desbravar, um mínimo de infraestrutura, condições humilhantes de vida, serviços pesados e baixos salários, tudo contribuía para que os sonhos se tornassem tristes pesadelos. Mas as japonesas que imigraram não eram mulheres comuns. Elas eram aventureiras, intrépidas e corajosas, parecia até que já sabiam que a elas estava reservada um papel muito especial no processo de evolução dos imigrantes japoneses no Brasil. De transformar as dificuldades em desafios e de se tornarem a base para que suas famílias pudessem progredir.

Elas são as mães da minha geração, de sessentões e setentões. Poucas chegaram a dominar a língua portuguesa, quase todas viveram reclusas em guetos, nos kaikans, nas seitas religiosas, nas escolas de artes japonesas e entre amigas e parentes. Nos primeiros tempos, comeram o pão que o diabo amassou. O tambor do ofurô era cheio e aquecido apenas uma vez e elas eram sempre as últimas a se banharem, quando a água era pouca e quase fria. Eram as últimas a se deitar, depois de lavar as louças e panelas, de remendar as meias furadas, de costurar roupinhas para os filhos e de verificar se todos estavam dormindo devidamente cobertos. De manhã eram as primeiras a se levantarem, juntavam gravetos, acendiam o fogo e preparavam o obentô que iriam comer na roça, além da primeira refeição familiar do dia. Durante o dia puxavam enxada tanto quanto os homens e na volta a entardecer, ainda cuidavam de todos os afazeres domésticos, lavar roupa, arrumar a casa, prepara a comida, etc…

Com as crianças em idade escolar a tarefa das mulheres só aumentava, agora além do marido exigente, os filhos exigiam atenção. Mas elas não reclamavam. Ao contrário, eram uma usina de amor, de carinho e de dedicação. Sim, um beliscão ali, um tapa aqui, que os filhos eram muitos e era preciso colocar ordem na casa. Os pais, machões, eram de pouco carinho. Mas as mães, mesmo que poucas vezes de forma física, transmitiam pelo ar, uma carga de amor aos filhos que certamente os influenciou pelo resto da vida.

E assim os filhos cresceram, muitos viraram doutores e quase todos cidadãos brasileiros exemplares. Vieram os netos, os bisnetos e a vida ficou mais tranquila. Perderam os parceiros cedo, que a maioria dos maridos morreu entre setenta e oitenta anos. Mas a viuvez parece que mais uma vez as fortaleceu, ainda mais que os filhos agora puderam lhe proporcionar um pouco de conforto. E assim a maioria chegou aos noventa anos.

Mas elas estão desaparecendo. No mês passado dois amigos, a Verinha Takitani e o Kunio Hirata, perderam suas mães que já estavam debilitadas. Restam poucas dessa geração e em poucos anos todas já terão ido. Mas deixaram um legado que não é devidamente valorizado. Nós nikkeis, gostamos de cultuar figuras individuais e masculinas que fazem sucesso. Bajulamos e homenageamos os grandes líderes da comunidade, os grandes empresários, os grandes homens públicos e esquecemos das batianzinhas, quando na verdade, elas sim é que foram as grandes heroínas dessa epopeia que projetou para o alto, o respeito e a admiração que o povo brasileiro tem pela comunidade nikkei. Mas não tem problema, elas nunca quiseram confete mesmo.  Lá num cantinho do céu, tranquilo e sossegado, elas vão recebendo as últimas amigas que chegam, preparando um sukiyaki, tomando um bom ofurô, dançando bom odori e enfeitando o local com ikebanas. E rindo muito, o riso dos vitoriosos, com aquela alegria de quem cumpriu com valentia, sua missão na terra!!

NELSON FUKAI é engenheiro, escritor e analisa questões do presente e passado da comunidade nipo-brasileira. E-mail: nelsonfukai@yahoo.com.br.