OPINIÃO: AQUI É O MEU LUGAR

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O evento não é gratuito, tem que pagar para entrar. E ainda tem que pagar estacionamento, que é caro. Depois tem que andar muito, do estacionamento até as portas de entrada e saída, e vice-versa, sem contar as longas caminhadas dentro do evento. Para quem vem do interior, e são muitos, tem horas e horas de estrada, sem contar o custo adicional da viagem. Na momento da fome, uma tremenda fila é vista para comprar as fichas e outra maior para pegar a comida e bebida. Mas a penúria continua, pois não tem mesas e cadeiras vazias, muita gente tem que comer de pé ou sentado na arquibancada. Então, o evento deve ter muitas novidades? Também não: ano após ano é sempre a mesma coisa, como diriam os poetas modernos, é tudo do mesmo; barraquinhas de comidas típicas, quinquilharias, joguinhos eletrônicos, doces, enlatados e até verduras, locais com mostras de artes de todas as formas, brincadeiras para crianças, etc, etc… Nada que não possa ser comprado, feito  ou praticado em outro lugar, com mais conforto e talvez por preço menor.

Com tudo isso, conclui-se então que este evento é um fracasso de público? E a resposta é não!! Ano após ano, dezenas de milhares de pessoas visitam o Festival do Japão, sendo que mais de 90% são nikkeis. E aí vem a pergunta que não quer calar: “o que leva essa multidão de nikkeis a visitarem, religiosamente, todos os anos, este repetitivo festival??”

Fiz esta pergunta a um amigo mais jovem, que por coincidência é o redator-chefe desta revista e ele não soube responder concretamente. Enrolou, enrolou e não explicou nada. Eu, de minha parte, tenho uma tese que venho defendendo há algum tempo. Todos nós, nikkeis, participamos do Festival do Japão porque estamos atendendo a um apelo do além, que não percebemos na esfera racional, mas que está impregnado no nosso espírito. É uma resposta ao chamativo que nos fazem os velhos imigrantes japoneses que aportaram aqui antes da guerra, que chegaram ao Brasil com uma mão na frente e outra atrás, que lutaram bravamente, não raramente sacrificando a própria vida, em prol do bem-estar e do sucesso das gerações futuras. A maioria deles já se foi deste mundo, mas a essência deles ainda permanece. Essa essência que nos empurra para o Pavilhão onde é realizado o evento. O Festival do Japão é cereja do bolo, a coroação de uma jornada vitoriosa. Mas, antes do bolo, muita água rolou debaixo da ponte. Uma jornada que começou lá atrás, há mais de cem anos, com muito sofrimento, muito sacrifício e muita luta. E apoiando uns nos outros, os imigrantes japoneses foram aos poucos se libertando da miséria, deram estudos aos filhos, trajetória que se repetiu com os netos e bisnetos. E o que eles mais temiam é que as futuras gerações acabassem esquecendo de suas origens e com essa finalidade até cometeram excessos, vivendo tempo demasiado em guetos fechadíssimos, desertando filhos que casavam fora da comunidade e deflagrando brigas internas, como os fanáticos que perseguiram e mataram os patrícios que alardeavam que o Japão tinha perdido a guerra. Mas nunca perderam o sentido de comunidade, da ajuda mútua e do trabalho coletivo.

Pode parecer paradoxal, mas nesse festival queremos mostrar a nós mesmos, que não abandonamos estes ideais. Mais do que querer, nós precisamos provar isso. E mais do que provar, temos que passar isso para as gerações futuras. Alguns mostram isso de maneira mais objetiva, trabalhando nas barracas ou nos grupos de apoio. Mas todos os outros, simples visitantes nikkeis, também vamos imbuídos do mesmo sentimento. Como o sujeito que volta para a sua casa, mesmo que ela não tenha lá, grandes atrativos. O que importa é o sentimento de que “aqui é o meu lugar”.

NELSON FUKAI é engenheiro, escritor e analisa questões do presente e passado da comunidade nipo-brasileira. E-mail: nelsonfukai@yahoo.com.br.