Análise: Indústria das multas de trânsito – Parte I

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As multas de trânsito estão sendo produzidas em escala industrial. O caráter repressivo e reeducativo foi substituído  pelo fim meramente arrecadatório: quanto maior o número de  infrações cometidas pelos motoristas, melhor para o erário. Isso decorre da lacuna na Lei Orçamentária Anual – LOA – que permite ao administrador o desvio sistemático do valor das multas arrecadadas que têm uma destinação específica, segundo o art. 320 do Código de Trânsito Brasileiro de aplicação no âmbito nacional:

Harada“Art. 320. A receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito será aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito”.

Ora, se a receita das multas de trânsito está vinculada parece óbvio que a totalidade dos recursos arrecadados a esse título deve ser aplicada no cumprimento da finalidade que ensejou a sua instituição. Entretanto, não é o que vem acontecendo na prática.

A LOA de 2014 previa uma arrecadação de 1.190.500.000 bilhões de multas, mas o órgão encarregado de administrar o trânsito, a CET, foi contemplado com uma despesa fixa de apenas 982.570.000 milhões. Onde foram parar o restante? Ninguém sabe e nem se descobre. Na verdade, circulou na mídia a notícia de que as verbas faltantes foram consumidas em cafezinhos dos servidores da CET! Enquanto não houver respeito ao princípio elementar do direito orçamentário que obriga fixação das despesas com obras e serviços de trânsito em montante igual à estimativa de multas a serem arrecadadas, o art. 320 do CTB continuará sendo letra morta e a população motorizada, cerca de 6.500 milhões, continuarão sofrendo, física e mentalmente, refletindo na sua produtividade.

A sinalização semafórica criou uma onda vermelha em lugar de onda verde.  Alguns semáforos  fecham cinco segundos depois de  aberto, como aquele nas proximidades do Palácio dos Bandeirantes onde passa apenas um veículo, no máximo dois veículos a cada abertura, desde década de noventa. Outrossim, esses semáforos estão irregularmente distribuídos pela cidade: há falta nos cruzamentos perigosos e excesso em outros locais onde sequer existem cruzamentos, como nos finais das quadras interrompendo desnecessariamente o fluxo normal de veículos. Placas indicativas dos pontos principais da cidade desaparecem nas bifurcações, tal qual as placas indicativas nas vias transversais, antes visíveis à distância. Agora o motorista precisa trafegar com lentidão e, às vezes, estacionar o veículo para conseguir identificar o nome da rua escrito em placa danificada ou invertida.  Em compensação, as placas indicativas de velocidades que variam de 30, 40, 50, 60 e 70 km/hora são trocadas com incrível frequência, o que faz supor a existência de um acordo entre o poder público e os seus fabricantes e instaladores. Normalmente, essas alterações bruscas e inesperadas sem qualquer motivação razoável são seguidas de instalação de radares de última geração para flagrar os incautos motoristas habituados a trafegar por essas vias, a exemplo da instalação ao longo das faixas exclusivas de ônibus.  Antecendo a redução de velocidade nas Marginais foram instalados 770 radares ao custo de R$770 milhões que logo irão render R$7 bilhões em multas…

(Continua na próxima edição.)

 

KIYOSHI HARADA é jurista e acadêmico com 29 obras escritas e Presidente do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social.