Como se sabe existem dois regimes de governo: o democrático que é o governo do povo, e o autocrático que é o governo de um só. Na prática, nem um, nem outro. O nosso regime dito democrático evoluiu para a forma oligárquica de governo, que vem da aristocracia, onde o poder é concentrado em um número reduzido de pessoas. Regime e forma se misturaram.
De fato, nenhum dos princípios democráticos vêm sendo cumpridos. Existem grupos de pessoas que fundaram feudos e se apossaram do País.
Esses grupos criaram uma espécie de oligarquia, não a convencional, mas aquela excêntrica, mediante a introdução da política como uma profissão rendosa. Eles se dedicam diuturnamente à coisa pública com tal vigor que acabam por confundir a coisa pública com a coisa sua. Esses profissionais dominam a sociedade. Ora estão na Chefia do Executivo, como governador ou Prefeito, ora estão no Legislativo, como Senador, Deputado ou Vereador, ora estão nos Ministérios ou Secretarias estaduais e municipais, ora estão como dirigentes das estatais ou de agências reguladoras, ora estão na presidência de institutos que fundaram, munidos do poder de arrecadar indiretamente por meio de fantásticas palestras. São tão patriotas que não descansam um dia sequer. Estão sempre aboletados no poder para escolher o momento de ser o supremo mandatário do País. Quando, por força da idade, doença ou morte eles saem da política deixam herdeiros nos feudos respectivos, para que continuem no estanho sacerdócio de seus antepassados, em que não se exige fé, nem promessas de sacrifícios. Sai governo, entra governo e os personagens são sempre os mesmos. Quando um deles chega à Presidência da República, cada um quer uma Constituição sob sua medida, a fim de manter um Estado perdulário, ou para atender uma idiossincrasia do momento, como a reeleição, um cancro encravado no seio da sociedade. É assim que a Constituição cidadã de 1988 foi mutilada por mais de 90 emendas espúrias.
Diante desse quadro não se pode dizer que vivemos sob um regime democrático. Os três pilares que lhe dão sustentação apodreceram. Os sistemas públicos de saúde e de educação, ambos irrigados por fabulosos recursos constitucionalmente vinculados, ficaram inoperantes. O primeiro, desenvolve uma política de atentado contra a dignidade humana, e o segundo, forma uma multidão incrível de analfabetos funcionais, com reflexos negativos em todas as etapas da educação. O sistema de segurança pública, por sua vez, onde inúmeros órgãos agem desordenadamente sob o império de uma legislação mais voltada para proteção dos transgressores do que das vítimas, perdeu o seu bem mais precioso: o princípio da autoridade. Autoridades constituídas precisam de prévia licença do chefe do bando para adentrar certos locais, sob pena de ser assassinado. As gangs desfilam pelas ruas da cidade portando armas pesadas que nem os policiais possuem, e vira e mexe decretam o toque de recolher para prestar homenagem a um bandido morto em ação policial. Onde o direito de ir e vir assegurado pela Constituição? Inúmeras vidas são ceifadas diariamente pelos bandidos. O cidadão brasileiro vive permanentemente em estado de insegurança total.
Enfim, estamos vivenciando uma democracia no papel. Na realidade, estamos vivendo sob a forma oligárquica de governo, pior que o regime autocrático de governo. A causa disso tudo está na falta de representatividade do regime, decorrente de eleições viciadas irrigadas por dinheiros públicos desviados por grupos enraizados no poder.
Kiyoshi Harada é jurista, acadêmico e Presidente do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social. E-mail: Kiyoshi@haradaadvogados.com.br