Análise: Pedaladas ensejam o impeachment?

0
516

Pedaladas fiscais é o nome que se deu à retenção de recursos financeiros correspondentes às verbas consignadas na Lei Orçamentária Anual – LOA – a favor de bancos oficiais…

HaradaPelo que conseguimos captar na mídia, essa retenção equivaleria a uma operação de mútuo com os bancos oficiais que estão sob o controle da União, fato que implicaria infração ao art. 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF – que proíbe o ente político da fazer operações de crédito com instituição bancária sob seu controle, por razões óbvias.  Veja-se o exemplo do antigo BANESPA. E a infração ao art. 36 da LRF caracterizaria o crime de responsabilidade abrindo o caminho para o processo de impeachment. Há um duplo equívoco de solar grandeza, que salta aos olhos de qualquer especialista em direito financeiro, com lapidar clareza.

Primeiro, os recursos destinados às unidades orçamentárias, dentre as quais os bancos oficiais, pertencem à União e ficam  concentrados no Tesouro, para  realização de despesas públicas segundo a LOA. Nenhuma das unidades  orçamentárias  – órgãos, instituições  ou bancos públicos – são credores da União. A LOA apenas autoriza a União a promover gastos nos limites das verbas fixadas em cada dotação, mas não obriga executar as despesas, excetuadas as verbas consignadas ao Judiciário, Legislativo, Ministério Público e Defensoria Pública. É o orçamento autorizativo que se contrapõe ao orçamento impositivo,  inexistente entre nós. A própria  LOA autoriza o Executivo  a remanejar as verbas até o limite de 30% de cada dotação, e mediante autorização legislativo, no que exceder àquele percentual. O orçamento é meio e não fim, do contrário, o governante que conseguisse gastar, com exatidão matemática, tudo que está em cada dotação seria um bom governante, independentemente do resultado sócio-econômico alcançado. Ao que saibamos os programas sociais a cargo da Caixa Econômica Federal – CEF –  não sofreram solução de continuidade por causa dos fantásticos recursos acumulados pelo FGTS, por conta da espoliação dos titulares das  cadernetas de poupança que recebem juros ridículos, ao passo que a CEF empresta no mercado esses recursos na base da taxa Selic. Logo, descabe falar em empréstimo por  parte da União que não é devedora de seus órgãos ou instituições contempladas na LOA.

Segundo, a infração de dispositivos da LRF configura apenas crimes contra as finanças públicas que estão definidos nos artigos 359-A a 359-H do Código Penal por força de acréscimos feitos pela Lei nº 10.028/00. Os crimes de responsabilidade estão definidos na Lei nº 1.079/50 que em nenhum de seus artigos contempla o fato de um ente político contrair operação de crédito junto a um banco sob seu controle.

Com tantos equívocos de solar grandeza só mesmo uma grande vontade política, com empenho decisivo dos políticos, dos partidos e das duas Casas do Congresso Nacional, poderá desencadear o processo de impeachment. Não vejo nenhuma vontade política, mas muita vontade de aparecer e de tirar vantagens lícitas ou ilícitas dessa situação de instabilidade institucional em que se acha mergulhado o País, do contrario argumentos jurídicos mais robustos, que existem de sobra, já teriam sido invocados. Tudo não passa de um engodo para ludibriar a opinião pública.

Kiyoshi Harada é jurista, acadêmico, autor do livro Direito Financeiro e Tributário na 24ª  edição, e Presidente do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social.