O PT sempre teve mania de estabelecer um mecanismo paralelo. Quando na oposição, sem lograr conquistar o poder apesar de inúmeras tentativas, criou um “governo paralelo” para monitorar as ações do governante legitimamente investido no cargo.
Agora que está no poder desde 2002, a governante criou, por Decreto, um poder paralelo a pretexto de colher as participações populares. Para isso baixou o Decreto nº 8.243, de 23-5-2014 instituindo a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social, prevendo a “participação” da sociedade civil, vagamente definida como “o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações”. Uma definição ambígua e perigosa que inclui a Internet!
Ora, decreto como instrumento normativo autônomo só pode ser baixado nos termos do art. 84, VI, a da CF para “dispor sobre organização e funcionamento da administração pública federal, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos”.
Basta examinar as atribuições dos conselhos de políticas públicas e das comissões de políticas públicas, mesas de diálogo, fórum interconselhos etc. que estão previstos no art. 2º do Decreto para verificar que, além do dispêndio de despesas públicas, esses órgãos interferem em toda a administração pública direta e indireta da União, inclusive, nas agências reguladoras, usurpando a competência legislativa do Congresso Nacional que suspendeu a votação do decreto legislativo para sustar os efeitos do Decretão, tendo em vista as eleições de outubro.
Tanto é assim que o parágrafo 4º, do art. 10 prevê a remuneração indireta dos dirigentes da sociedade civil, ao referir-se à celebração de parceria com a administração pública. Para isso, foi instituído pela Lei nº 13.019, de 31-7-2014 o regime de parceria voluntária envolvendo transferência de recursos públicos para as organizações da sociedade civil definidas no art. 1º de forma diferente do que está no Decreto. É a velha técnica de lançar a semente da confusão.
Outrossim, apesar de falar em participação popular, tudo passa pela Mesa de Monitoramento do Secretário Geral da Presidência da República (art. 19) guindado à posição de um verdadeiro Primeiro Ministro, cargo incompatível com o regime presidencialista. Participação popular não se faz na forma de intervenção atabalhoada como está no Decreto, mas de forma disciplinada no art. 14 da CF: plebiscito; referendo popular e iniciativa popular.
O serviço público, que já perdeu a eficiência por conta da mistura generalizada entre servidores efetivos (nos 5º e 6º escalões) e os servidores comissionados sacados do bolso do colete (nos 1º até 4º escalões), agora, com tantos estranhos dando palpites nas administrações direta e indireta da União, ainda que monitorados por um Super Ministro, certamente sofrerá uma queda na sua qualidade que já está ruim em face do inevitável aumento da confusão. Esse Decreto é uma verdadeira bomba que irá detonar a Democracia brasileira. Fez o que nem a lei e nem a Emenda poderia fazer, por envolver reforma constitucional, remexendo as matérias protegidas por cláusulas pétreas: forma federativa, separação dos Poderes e direitos individuais.
A persistir a omissão do Congresso Nacional caberá à verdadeira cidadania pressionar os órgãos legitimados a ingressar com a ação direta de inconstitucionalidade – ADI – ou ação de descumprimento de preceito fundamental – ADPF – para evitar o caos na administração pública federal.
Kiyoshi Harada é Jurista, Acadêmico, escritor e Presidente do Conselho Deliberativo do Bunkyo. Contato: harada@haradaadvogados.com.br.