Um assunto que vem tomando o sono dos empregadores em geral é o chamado combate ao trabalho semelhante ao do escravo que recrudesceu nos últimos tempos…
À luz de demagógico discurso de inclusão social, o Ministério do Trabalho editou normas atentatórias aos princípios da legalidade, quer estabelecendo conceitos jurídicos vagos e imprecisos, quer impondo restrições inadmissíveis ao exercício da atividade econômica. A Instrução Normativa nº 91/11 do Ministério do Trabalho estabelece o conceito de trabalho semelhante ao do escravo ao arrepio daquele previsto na Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ratificado pelo Brasil, em abril de 1954. A Portaria Interministerial nº 2/11, por sua vez, determina a inclusão do nome do empregador infrator no cadastro de “lista suja”, denegrindo sua imagem junto a clientes e fornecedores, impedindo acesso ao crédito público e a benefícios fiscais, dentre outras restrições.
A partir do exemplo da União, os Estados e Municípios começaram a legislar por Decreto, levando a questão para o campo da administração tributária, estabelecendo normas de suspensão ou cancelamento da inscrição cadastral sem o devido processo legal, inviabilizando as atividades normais das empresas. Nada mais perigoso do que criar sanções a pretexto de empregar mão de obra semelhante ao de escravo, sem dizer como e quando se caracteriza tal conduta.
Ante a total insegurança jurídica que tomou conta do setor produtivo, a FIESP constituiu uma Comissão de Juristas que a integramos para oferecer uma solução. Debatemos o PL nº 3.842/12, do deputado Moreira Mendes, que altera o art. 149 do CP redefinindo o conceito de trabalho semelhante ao de escravo nos moldes da definição dada pela OIT. Ofertamos um substitutivo que foi aprovado pela Comissão, no sentido de que “a eventual instituição de penalidades de natureza fiscal dependerá do que dispuser a lei complementar, exigida, em qualquer hipótese, o prévio trânsito em julgado da decisão criminal condenatória do sujeito passivo da obrigação tributária pela prática de conduta tipificada no art. 149 do Código Penal”. É que semelhante combate há de ser encetado em nível nacional e nas esferas do Direito Penal e do Direito do Trabalho, nunca na seara do Direito Tributário cujo escopo é bem diferente.
Felizmente, a febre que tomou conta dessa matéria repentinamente, movimentando os legisladores palacianos que atropelaram o processo legislativo, desapareceu como que por encanto. Certamente atraídos por outras questões que dão mais visibilidade às suas ações, sensatas ou não. A Câmara Municipal de São Paulo havia apresentado um projeto de lei arrasador, prevendo a cassação da licença de funcionamento do estabelecimento onde for constatada a comercialização de produto fabricado com o emprego de mão de obra semelhante ao de escravo. Mas engavetou aquela propositura legislativa que caiu no esquecimento. A proposta legislativa felizmente sepultada estava correta em sua forma, mas equivocada em sua substância.
Contudo, os atos normativos do Ministério do Trabalho continuam assombrando as fontes produtoras, pois, apesar da sua inconstitucionalidade manifesta, ninguém se dispõe a combatê-las abertamente no contexto atual em que a valorização dos direitos humanos atingiu o seu ápice no mundo inteiro. Ninguém quer se arriscar a ser chamado de defensor da mão de obra escrava.
Kiyoshi Harada é Jurista, Acadêmico, escritor e Presidente do Conselho Deliberativo do Bunkyo. Contato: harada@haradaadvogados.com.br.