Artes: Que rufem os tambores

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Conheça as origens, o desenvolvimento do taikô em terras verde e amarela, e curiosidades de um dos instrumentos mais tradicionais do Japão

 Fotos Leandro Omine e Divulgação

Taikô é uma das artes japonesas mais populares no BrasilAs batidas são pulsantes. Impossível não vibrar e ou se emocionar cada vez que a baqueta toca o tambor, sejam elas mais lentas ou em ritmo acelerado, acompanhados (ou não) pelos gritos empolgantes dos seus tocadores e instrumentos como kanê – espécie de sino japonês –, fue – flauta transversal japonesa – e shamisen – instrumento de corda, típico do Japão –, que deixam o espetáculo ainda mais belo e vibrante. Todos esses elementos e emoções se misturam quando os taikôs, os tradicionais tambores japoneses, entram em cena e o show começa.

Considerada uma das artes tradicionais mais praticadas no Brasil. O taikô se espalhou pelas terras tupiniquins e ganhou o coração de crianças, jovens e adultos. De acordo com Orlando Shimada, presidente da Associação Brasileira de Taikô (ABT) – entidade que promove anualmente o Festival Brasileiro de Taikô e realiza todos os anos o Kentei Shiken, exame de graduação de seus tocadores – atualmente existem cerca de 70 grupos de taikô filiados a entidade, espalhados em vários estados brasileiros. Mas esse número é muito maior, já que nem todos os grupos são filiados à instituição. Shimada estima ainda que existam mais de 2 mil tocadores no País.

Tocadores esses que não se limitam só aos descendentes de japoneses. “Cerca de 20% a 30% dos integrantes dos grupos de taikô são brasileiros e já existem equipes formadas só por brasileiros”, afirma Shimada. Fato que se repete com os alunos de Setsuo Kinoshita, musicoterapeuta e líder do grupo Wadaiko Sho, que há 20 anos trabalha com taikô, já fez diversas apresentações dentro e fora do Brasil, venceu vários prêmios, além de já ter ensinado mais de 600 pessoas a arte japonesa e continuar ensinando: “Cerca de 30% dos componentes do Setsuo Kinoshita Taiko Group são de não-descendentes. E no Wadaiko Sho, quatro dos sete tocadores não são descendentes de japoneses”, revela. No Tangue Setsuko Taiko Dojo, não é diferente. Segundo Almir Kajihara, um dos integrantes e professores do grupo, e que há mais de 10 anos se dedica ao instrumento japonês, é visível o aumento de brasileiros no grupo com o passar dos anos.

O tambor em terras tupiniquins

Setsuo Kinoshita empolga público em uma das apresentações do Wadaiko ShoEm terras tupiniquins, segundo explica Ii-sei Watanabe, ex-presidente da ABT, em seu artigo “Nova Era do Taiko no Brasil”, publicado no livro “Centenário: Contribuição da Imigração Japonesa para o Brasil Moderno e Multicultural”, o taikô chegou junto com os primeiros imigrantes japoneses, em 1908, que os utilizavam nas festas de Bon-Odori. As festas ocorriam em cada comunidade de japoneses, onde se agrupavam para dançar ao som do taikô.

E ele foi tocado assim, de forma mais modesta e reservada à comunidade, até o pós-guerra, quando Oguchi Daihachi – conhecido como o papa do taikô moderno – utilizou sua formação em jazz para criar o estilo Kumidaiko, quebrando a tradição de tocar o tambor sozinho para ser tocado em conjunto – estilo que é utilizado hoje no Japão e no resto do mundo.

Nos anos 1960, o taikô com ares artísticos e em forma de show ganhou mais força, época em que os primeiros grupos do Japão surgiram como o Ondekoza e o Kodo, que viriam a inspirar os outros grupos criados depois.

No Brasil, o primeiro grupo a surgir, em 1978, foi o Tangue Setsuko Taiko Dojo, que leva o nome de sua fundadora, a mestra Tangue Setsuko, o grupo pioneiro e mais tradicional do País. Anos mais tarde, em 1994, Setsuo Kinoshita, foi responsável pela criação do segundo grupo do País, o Godaiko. Após uma temporada de quatro anos no Japão onde estudou com o grupo Wadaiko Yamato, Kinoshita volta ao Brasil e começa ministrar aulas e funda o Setsuo Kinoshita Taiko Gruop, em 1999. Já em 2002, o músico forma o Wadaiko Sho – grupo que une as batidas do taikô com o samba, ritmo típico brasileiro, uma verdadeira mistura de Brasil e Japão.

Nesse mesmo ano, nasce a Associação Brasileira de Taikô – ABT, com o objetivo de divulgar o taikô pelo Brasil. Com o auxílio do professor Oda, da província de Fukuoka, ensinou aos jovens a milenar arte japonesa, e vários grupos começam a nascer em São Paulo e em diversos estados brasileiros como Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Amazonas, Pará e Tocantins.

Almir Kajihara, do Tangue Setsuko Taiko Dojo, e as batidas vibrantes do seu tamborMas, o verdadeiro “boom” do taikô no Brasil, foi em meados de 2008, com as comemorações do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil. “O taikô teve grande destaque nos eventos da comunidade nipo-brasileira na época, estando presente em quase todas as festas”, lembra Shimada. “Mas o auge, foi a reunião, pela primeira vez no Brasil, de 1200 tocadores no Anhembi, que fizeram uma apresentação histórica para o príncipe herdeiro do Japão, Naruhito”, completa o presidente da ABT.

A partir das comemorações do Centenário, o taikô não saiu mais de cena, sendo convidado especial em todos os grandes eventos da comunidade nipo-brasileira, em todo o País.

No que depender da ABT, e de seu presidente, a ideia é que esse sucesso se amplie muito mais. “Tenho certeza que o taikô vai crescer e se expandir ainda mais no território brasileiro, até porque a procura é grande. Queremos levar o taikô para um número maior de pessoas, trazendo o jovem para perto da cultura tradicional japonesa”, revela Shimada.

E esse desejo de conhecer e aprender sobre o taikô não é exclusivo dos brasileiros. Países vizinhos da América Latina, como Argentina, Paraguai e Uruguai – que ainda estão engatinhando na arte típica japonesa – já manifestaram a vontade de desenvolver o taikô em seus países. “Representantes desses países estão nos procurando para que a gente ajude a levar o ensino do tambor para suas regiões. Estamos, inclusive, desenvolvendo uma parceria com o Uruguai, com o envio de alguns instrumentos para eles já começarem o ensino da técnica por lá”, finaliza o presidente da ABT.

O taikô e suas origens

Como revela Ii-sei Watanabe, ex-presidente da ABT, em seu artigo “Nova Era do Taiko no Brasil”, publicado no livro “Centenário: Contribuição da Imigração Japonesa para o Brasil Moderno e Multicultural”, no Japão, encontraram-se tambores em várias áreas de escavações antigas, com cerca de 2 mil anos, nas Eras Joumon e Yayoi. Os registros mais antigos de taikô encontrados no Japão foram nas imediações do lago Nojiri e ruínas de Togariishi. “Já que a primeira região era repleta de elefantes, presume-se que o instrumento servia para ser tocado enquanto o caçador emitia gritos para atacá-los”, conta.

Como o som do taikô propaga-se a muitos quilômetros de distância, segundo o especialista, o instrumento era usado como meio de comunicação das informações como nascimento de crianças, falecimentos e reuniões. O tambor também era considerado a morada dos deuses e das almas dos antepassados, deixados nos templos como objeto sagrado, servindo como instrumento de comunicação ou ligação com tais entidades sobrenaturais.

Por ser um instrumento essencialmente rítmico, servia ainda para homogeneizar a marcha dos soldados, explica Watanabe. “No Japão feudal, taikôs eram frequentemente usados para motivar as tropas, para ajudar a marcar o passo da marcha e para anunciar comandos, embates marciais e avisar a aproximação de inimigos”, ressalta.

Apresentação do grupo Wadaiko Sho

Calcula-se que o taikô como arte foi introduzido quando a música japonesa sofria influência da cultura chinesa, via Coreia, no período Asuka, por volta do século VII, pouco depois de adotar a escrita e o budismo. “O taikô foi adquirindo sons e movimentos típicos tornando-se um instrumento musical utilizado no teatro, em especial no kabuki. E a partir da era Edo [séculos XVII a XIX] difundiu-se na música folclórica”, elucida o especialista. “As características estudadas revelaram que o taikô da antiguidade apresentava uma face, posteriormente, surgiu o de dupla face”, completa.

A partir de então surgiram, em outras regiões do país, os diferentes estilos de taikô, com diversas denominações alusivas aos nomes dos respectivos locais ou aos nomes das festividades. “Apesar de ser utilizado desde longa data, a intensificação do uso foi mais recente nas últimas décadas. Durante o século XX, o tambor era utilizado em festas anuais de outono, primavera e outras. Nos dias de hoje, o tambor é protagonista de festividades de várias localidades”, conclui Watanabe.

 

Taikô e seus estilos

Tema contraditório entre os praticantes do instrumento, a separação do taikô em estilos divide opiniões. Para Almir Kajihara, do Tangue Setsuko Taiko Dojo, “no Japão cada região tem um estilo diferente de taikô. Em um campeonato de taikô, por exemplo, é possível ver a diferença entre os grupos. No Brasil, como a maioria dos grupos seguem o estilo Kawasuji, por influência da ABT, essa diversificação não é tão visível. Mas, se compararmos, por exemplo, o nosso estilo de tocar que é o Sukeroku para o Kawasuji, é possível ver diferenças de postura, movimento e posicionamento do taikô na base”, detalha.

Já Setsuo Kinoshita, do Wadaiko Sho, acredita que “não existe divisão de estilos e ou escolas, já que os grupos buscam inspirações em fontes diversas, em outras regiões, e esses pseudos estilos acabam se fundindo. É muito difícil fazer essa divisão, as diferenças entre um e outro são mínimas, talvez a posição do taikô, algumas diferenças no jeito de tocar, mas não se pode dizer que sejam estilos distintos. Todos os grupos que se apresentam aqui no Brasil, por exemplo, fazem parte do Kumidaiko, que é o taikô moderno, aquele que é tocado em um palco, em forma de show”, justifica. “O único que se diferencia um pouco mais, é o taikô de Okinawa, que conseguiu manter até hoje as tradições e o jeito de tocar, sem influências de outras regiões ou grupos”, completa Kinoshita.

 

 Tipos de taikô

Conheça os principais tambores existentes e que juntos protagonizam verdadeiros espetáculos

 Produzidos de forma artesanal, os tambores seguem um rigoroso processo de produção. Procedimentos esses, na maioria das vezes, mantidos em segredo de geração em geração. “No Japão os taikôs são produzidos com madeiras nobres, de altíssima qualidade, cobertos com pele de boi estendidas e tensionadas sobre o corpo de madeira”, explica Setsuo Kinoshita. “Os bois são de raças específicas, uma vez que precisam ser grandes, e são criados em locais protegidos, pois não podem ter nenhum ferimento ou lesão na pele, para que ela não rasgue quando estendida na produção do tambor”, completa.

Segundo Kajihara, existem vários tipos de tambores. O que os diferenciam são os timbres e sons emitidos por eles. “Variando o comprimento do corpo e a espessura da pele, a sonoridade varia do agudo ao grave. Geralmente os tambores com o corpo maior apresentam o som mais grave”, explica. Assim como a bachi – baqueta utilizada para tocar o taikô –, que é produzida com material, tamanho e pontas diferentes, e é escolhida de acordo com o som desejado.

Confira a seguir os tipos mais utilizados de taikô, de acordo com Setsuo Kinoshita:

 

Nagado-daikoNagado-daiko: é um taikô abaulado. Possui um corpo longo e é fixo com rebites, não é fechado por cordas.

 

 

 

 

 

Okedo-daikoOkedo-daiko: taikô com corpo em barril, fechado por cordas. Pode ser utilizado sobre um suporte, como os demais taikôs, mas costuma ser utilizado fixado com alças e carregado nos ombros do percussionista.

 

 

 

 

Shime-daikoShime-daiko: taikô menor, fechado por cordas – que são tensionadas antes de cada uso –, e tem o som mais agudo. Geralmente é utilizado na frente da formação dos grupos, por músicos que tocam sentados.

 

 

 

 

Hira-daikoHira-daiko: também de formato abaulado e fixo com rebites como o nagadodaiko, só que tem o corpo mais achatado.

  

 

 

 

Para começar a tocar

Conheça os requisitos para ser um bom tocador de taikô e onde é possível aprender essa arte milenar

Apresentação do Tangue Setsuko Taiko DojoDe acordo com os especialistas não existem pré-requisitos para ser um tocador de taikô. Basta vontade, disciplina e empenho. Talvez um pouco de coordenação e ritmo ajudem, mas não são obstáculos para quem realmente deseja aprender.

Nem mesmo a idade é empecilho para o aprendizado dessa arte milenar, que conquista cada dia mais os corações dos jovens e dos não tão jovens assim. “A partir de uns quatro ou cinco anos a criança já desperta o interesse em aprender a tocar. Tanto que já abrimos em nosso concurso a categoria mirim, para a garotada de 5 a 12 anos”, ressalta Shimada.

Os que já estão envolvidos com a arte, mas desejam se aprofundar mais no assunto ou aprimorar seus conhecimentos, é possível encontrar materiais sobre o tambor na sede da Associação Brasileira de Taikô. “A ABT, que busca sempre trazer as novidades sobre o taikô do Japão, disponibiliza para consulta um acervo com livros, apostilas e vídeos sobre taikô para os interessados em aprender ou ampliar os conhecimentos sobre o instrumento”, revela Shimada.

Como no Brasil não existe uma escola específica de ensino de taikô, cada grupo se torna um multiplicador da arte, repassando seus conhecimentos para os demais. Para os interessados em tocar, mas que não conhecem nenhum grupo, Shimada ressalta que basta entrar em contato com a ABT, que eles disponibilizam as informações dos grupos mais próximos.

Grupos tradicionais como o Tangue Setsuko Taiko Dojo e o Estúdio Wadaiko Sho também ministram aulas e workshops sobre o tambor. “Aos que tem interesse recomendo que venha assistir um treino de iniciante para ver se é isso mesmo o que deseja aprender. As nossas aulas/treino acontecem todos os sábados a partir das 13h”, conta Kajihara, do Tangue Setsuko.

Confira a seguir os contatos:

 

Associação Brasileira de Taikô – ABT

Rua São Joaquim, 381, subsolo – Liberdade

Tel.: 11. 3341-1077 / 3207-1261

 

Estúdio Wadaiko Sho

Rua Vergueiro, 2676 – Vila Mariana

Tel.: 11. 98132-9905

www.taiko.com.br

 

Tangue Setsuko Taiko Dojo

Rua Galvão Bueno, 475 – Liberdade

Tel.: 11. 99713-5617

E-mail: tanguetaiko@gmail.com

www.tanguetaiko.com.br