Texto: Tamires Alês

Mesmo que de forma tímida, a presença dos orientais no mundo artístico, principalmente, nas telas da televisão tem

aumentado. Aos poucos, novos caminhos estão sendo conquistados. Um grande passo para essa maior representatividade dos asiáticos é a presença de uma atriz oriental em um papel principal na novela Malhação, da rede Globo. Ana Hikari, de 22 anos, vive Tina, a primeira protagonista oriental em uma produção global.

“Ser a primeira protagonista oriental da Globo é um marco na minha vida pessoal, na minha carreira e na história dos descendentes de orientais no Brasil. É muito importante que a representatividade na mídia alcance todos os grupos. Ainda mais quando falamos de um Brasil tão plural”, ressalta Ana. “Dá muito orgulho saber que posso servir de espelho para identificação de muitas meninas como eu pelo Brasil”, completa a atriz paulistana, que cursa Artes Cênicas na Universidade de São Paulo (USP).

Ana desde pequena sempre quis trabalhar na área de artes. Aos oito anos começou as aulas de canto e aos 12 a fazer teatro. Antes de Malhação, participou de curtas metragens como “Batchan” do diretor Gabriel Carneiro, e de montagens de peças clássicas do teatro como “O auto da compadecida”.

Filha de mãe descendente de japonês e pai negro, Ana vive situações de preconceito desde a infância, e assim como Tina, luta para diminuir o preconceito que há com orientais e negros no Brasil e para derrubar estereótipos. “Desde o terceiro capítulo a Tina fala: ‘Não gosto que me chamem de japa, meu nome é Tina’. Assim como ela isso também me incomoda muito, porque eu nasci no Brasil, meus pais também, porque não sou reconhecida como brasileira?”, questiona. “Piadas e personagens que estereotipam o oriental como ‘pastel de flango’, ‘abre o olho japonês’ ou aquela imitação tosca da voz com sotaque japonês são rótulos que nos limitam. As pessoas não conseguem ver que por trás dessas características físicas nós temos singularidades. Somos pessoas únicas, com personalidades próprias e merecemos ser respeitadas dentro das nossas particularidades”, destaca.

Mas, tempos melhores estão por vir acredita a atriz, e a Tina é a prova disso. “Acredito que os autores e diretores têm se sensibilizado mais para estas questões e tido um olhar diferente para isso. Existe uma mudança em movimento em relação a esses papéis. Só o fato de eu fazer uma protagonista que foge do estereótipo de descendente de oriental no Brasil é uma vitória para mim e um grande passo na questão da representatividade”, exalta Ana.

A atriz e bailarina, Carol Nakamura, também concorda com Ana: “Acredito que já melhorou muito, mas ainda existe uma certa resistência em termos de perfil. Acho que as produções estrangeiras estão mais evoluídas nesse sentido, com uma presença maior de atores orientais em papéis comuns, sem um tema oriental por trás”, conta. “Acho que ainda temos que batalhar muito este espaço”, revela.

Espaço esse que Carol tem conquistado a cada ano. Após se destacar como bailarina e assistente de palco no programa dominical da Globo, Domingão do Faustão, a carioca, de 34 anos, estreou na novela Sol Nascente com a personagem Hiromi.

Atualmente, Carol tem viajado por todo o Brasil com a peça teatral “Até que a Internet nos Separa”. Na comédia romântica, a atriz contracena com Márcio Kieling, os dois vivem um casal que passa por uma crise, após sete anos de casados, quando o mundo virtual começa a ganhar cada vez mais espaço na vida deles. “Além da peça, tenho dois curtas para gravar até o final do ano”, conta.

Sucesso desde a infância

Alguns artistas orientais se consagraram no meio televisivo e fazem sucesso desde a infância, um desses nomes, é o Yudi Tamashiro. Yudi iniciou sua carreira ainda menino, aos nove anos, no Programa Raul Gil. Em seguida, foi convidado pelo SBT para apresentar o programa infantil Bom Dia & Cia. Por lá permaneceu ao longo de oito anos, com picos de audiência e se fez presente na infância de milhares de meninos e meninas brasileiros. Tanto que até hoje é conhecido como “O Garoto Playstation” – referência aos sorteios do console realizados durante o programa.

“Além de toda experiência que adquiri ali, todos os dias ao vivo, tive uma verdadeira escola nos bastidores. O próprio Silvio me chamava para o camarim e me orientava sobre o que fazer e como fazer. Fora os momentos que a Hebe também me proporcionava de “coaching” nos mesmos moldes do Silvio”, revela Yudi, que assim que chegou ao Brasil, após passar a maior parte da infância no Japão com os pais, já sentia que iria trabalhar com alguma coisa no ramo artístico.

E o menino Yudi estava certo. Além de apresentador, o jovem se destaca em outras artes, especialmente a música e a dança. Em 2009 lançou seu primeiro álbum “Dominar Você”, no estilo R&B e Rock Pop, sendo a maioria das músicas de sua própria autoria. Em 2012, Yudi se arriscou em um outro estilo lançando o CD “E aí conectou?”, voltado ao sertanejo. Já em 2013, viveu um novo desafio em sua carreira e participou do reality “A Fazenda 6”, na Record.

Nos últimos anos, novos rumos marcaram a carreira do apresentador, que sempre encara os desafios com foco. “Desde o início da minha carreira enfrentei muitos obstáculos, mas o que eu sempre fiz foi lembrar da minha raiz japonesa e enfrentar tudo com muito foco, determinação, dedicação e fé”, relata.

Dedicação essa que fez Yudi realizar um trabalho muito elogiado pela crítica no espetáculo “O Musical Mamonas”, interpretando o guitarrista Bento Hinoto, uma homenagem à saudosa banda Mamonas Assassinas. E vencer a segunda edição do “Dancing Brasil” – programa de dança apresentado por Xuxa, na Record – com a bailarina Bárbara Guerra.

Hoje com 25 anos, o jovem apresenta o “Programa do Yudi”, todos os sábados, às 19h30, na Record News.

Também iniciando a carreira artística bem cedo, Matheus Ueta, de 13 anos, é outro oriental que vem se destacando nas telinhas. Em 2012 ele ganhou o coração dos telespectadores interpretando o pequeno Kokimoto, na versão nacional de Carrossel, exibida pelo SBT.

E não parou por aí. Matheus também apresentou o programa Bom dia & Cia; ao lado dos atores Jean Paulo Campos e Larissa Manoela é jurado do quadro “Talento Infantil”, exibido de forma fixa no Programa Silvio Santos, pelo menos uma vez por mês; e já brilhou no teatro como Peter Pan.

“Eu não pensei em seguir essa carreira, as coisas foram acontecendo”, revela. “Aos três anos minha mãe me agenciou em uma agência de publicidade e comecei a fazer propagandas, e aos 7 estava no SBT fazendo Carrossel. Mas, hoje posso afirmar que se eu for ator para o resto da vida, serei muito feliz”, completa.

Mesmo se destacando nesse meio, Matheus reconhece que o mercado televisivo não é muito fácil para os orientais. “A representatividade na mídia está mudando, porém ainda de maneira tímida, sinto que parece ser “cota”. Acho que deveriam fazer os testes e aprovar os atores por competência, independente de fenótipo”, explica. “Acredito que poderia misturar mais, até para representar a mistura que é a família brasileira. Infelizmente vejo que na TV formam famílias sem misturar as raças, o que em nosso país não é uma verdade. E eu sou prova disso, sou filho de uma mãe mestiça de japonês com um ruivo”, ilustra.

 

Em paralelo ao trabalho na TV, Matheus fez sua estreia no universo literário e acaba delançar o livro “Os invisíveis e o Amuleto da Serpente”, da Editora Planeta. Mistério, aventuras e ensinamentos valiosos sobre o meio ambiente fazem parte da obra. Ser convidado pela Editora Planeta foi muito legal. Passar pelo desafio de escrever e aprender todos os passos de fazer o livro foi muito mágico. E agora estar recebendo o retorno dos leitores está mais interessante ainda”, afirma.

Mesmo com uma carreira movimentada, Matheus se dedica aos estudos e tem na escola sua prioridade. “Eu não falto a escola, a minha vida é a mais próxima possível de uma criança normal. Minha mãe fala muito em equilíbrio, não posso só fazer uma coisa, tenho que conciliar escola, trabalho, diversão e vida social”, finaliza.

Além das telinhas

Muitos atores orientais que já desenvolveram trabalhos na televisão, atualmente se dedicam a outras artes, se empenhando em projetos no teatro e na internet. Como é o caso do ator Henrique Kimura, de 37 anos, que tem se dedicado ao teatro corporativo Transformatores (www.transformatores.com.br) e ao Núcleo Teatral Tuiuiú.

“Atualmente estou me dedicando ao grupo Tuiuiú, fizemos a peça Descaminhos, em 2016, que abordava a busca da identidade do ator mestiço japonês na cena brasileira. E, agora, eu, Isis Akagi e Lucy Han estamos trabalhando na peça ‘Dois amores eu tenho’, baseada em sonetos de Shakespeare, que deve ser lançada em 2018”, revela.

Kimura já participou de mais de 20 comerciais, nove peças de teatro, três novelas globais: “Em família”, “Morde e Assopra” e “Amor a Vida”; e atuou no filme Corações Sujos, com direção de Vicente Amorim, baseado na obra homônima de Fernando Morais.

“O mercado televisivo é complicado, mas se comparado há 30 anos atrás melhorou muito. Acho que não temos que ficar reclamando, temos que trabalhar, temos que produzir, mostrar que os atores orientais podem ser o que eles quiserem. O teatro e a internet são uma excelente maneira de fazer isso”, esclarece. “Hoje temos atores orientais fazendo ótimos trabalhos na internet como o Coletivo Oriente-se (www.orientese.com.br) e o Yo ban boo (facebook.com/YoBanBoo)”, destaca.

“O Coletivo Oriente-se surgiu da união de atores nikkeis para trabalhar com roteiros ficcionais que tivessem a ver com questões que ampliassem a visão sobre a diversidade étnica, cultural, social, de gênero, etc. Somos atores e consideramos importante a representatividade étnica nos veículos de comunicação, nos audiovisuais e nas artes cênicas. Fomentar a diversidade na sociedade é a nossa missão”, explicou uma das fundadoras do grupo, a atriz Cristina Sano, de 53 anos.

Pioneira, em 1986, uma época em que atores orientais não apareciam em produções televisivas, Cristina estreou nas telinhas como Fátima, na novela “Roda de Fogo”, a primeira atriz nipo-brasileira a atuar em uma novela da Globo. De lá para cá participou de mais quatro novelas (Bebê a Bordo, Zazá, Pé na Jaca e Morde e Assopra) e duas séries globais (O Caçador e Vade Retro), além de Chiquititas, no SBT, e de atuar em três filmes (Cidade Oculta, Dois Coelhos e 4 x 100).

“No meu caso, ter fenótipo oriental só me ajudou na minha carreira. Porém, tenho claro, que esta é a minha história e não da maioria dos atores de outras etnias. Por isso a necessidade de criar o coletivo e produzir vídeos em que os atores possam interpretar qualquer pessoa e não apenas personagens com uma circunstância de orientalidade ao seu redor. Somos brasileiros e fazemos parte da sociedade como qualquer pessoa”, exalta.

Para criar os vídeos, o grupo conta com uma grande equipe de colaboradores, diretores, produtores, diretores de fotografias, som direto e atores, que acreditam na causa. “Eu e a Cristina Sano somos os roteiristas e procuramos abordar questões que envolvam a diversidade étnica, social e de gênero, de forma leve e respeitosa, sem perder o foco principal que é gerar a percepção sobre a importância da diversidade e representatividade”, esclarece o ator Marcos Miura, de 44 anos, que tem no currículo atuações na televisão, como na novela global Morde e Assopra e no teatro em “Hamlet The Musical”.

“Ultimamente tem se falado muito em representatividade e é importante continuarmos falando sobre isto. Quando você se identifica com uma personagem, isso te motiva a ser quem você é, quando você vê alguém com seus olhos, sua cor, com sua origem na tela isto te conforta e você percebe que você pode ser quem você quiser e não está fadado a ser apenas um estereótipo”, observa a atriz e artista plástica Lígia Yamaguti, que faz a coordenação de produção da maioria dos vídeos do Coletivo.

Para Ligia faltam oportunidades para os atores orientais nos audiovisuais. “Os atores orientais existem, só na página do Coletivo há uns 200, mas muitas vezes não somos nem chamados para os testes”, conta. Já Miura acredita que há picos e quedas. “Há momentos em que o oriental possui mais visibilidade e outros com menos, mas no geral, sinto que há um crescimento. Acredito que este processo de mudança pode demandar um tempo, mas que em breve poderemos ter mais diversidade étnica na TV”, finaliza.