Outro dia, andando pela estrada do tempo, encontrei com o “eu de dezoito anos”. Por coincidência, ouvindo as mesmas músicas, ele no seu radinho de pilha, sintonizado na Excelsior-FM, a novidade da época; e eu, de fone de ouvido, plugado no Youtube…
“Não se cansa de ouvir as mesmas músicas durante mais de quarenta anos? No futuro, não tem músicas melhores? Tudo bem, também gosto das músicas antigas, de chorinho, de blues, de samba-canção, coisas dos anos 30,40 e 50, mas você exagera nas músicas dos anos 60 e 70”, o jovem me cutucou.
Retruquei para aquele folgado de cabelos longos, camisa escandalosamente colorida, calça boca de sino e sandália de pescador: “ora, você é o grande culpado. Ao invés de estudar, fica ouvindo música o dia inteiro. E fica marcando as meninas que conhece e as situações que vive com uma música, daí que elas grudaram para sempre no fundinho da alma. E as músicas de hoje, têm até algumas boas, mas só tocam a cabeça, não conseguem mais chegar ao coração”.
“E onde está o rebelde avesso a regras, anarquista e anticonvencional? As regras burguesas acabaram te conquistando? Minha aparência, minhas roupas, meus gestos, tudo é feito para escandalizar, para quebrar estes padrões antiquados. Será que isso vai acabar um dia?”, continuou provocando o “eu de dezoito anos”.
“Certamente que sim, respondi prontamente. Aquela rebeldia tinha muito de fazer tipo, era moda na época. Mas continuo a manter meus princípios, dentro das possibilidades continuo a viver sem me amarrar muito a convenções e regras antiquadas. Não dá para ser totalmente anarquista a vida toda, afinal, a gente forma família, têm filhos e um pouco de ordem é necessário, mas não exatamente uma ordem burguesa. Afinal, quem nasce anarquista, vai ser anarquista a vida toda, mesmo que o tempo amenize um pouco”, disse.
“E qual o balanço da vida aos sessenta, estou aqui relacionando na cabeça, os objetivos para o futuro, disso tudo o que aconteceu?”, indagou, já mais enfocado e menos provocativo o jovem.
Respondi: “Minha vida foi e está sendo muito boa. Você é muito ambicioso, quer atingir objetivos altos, mas com o tempo vai ver que para ser feliz não é preciso muito. Mesmo com a sua ambição me atrapalhando, fui construindo minha felicidade aos poucos, com coisas pequenas, sem grandes alardes. Mas tudo com muito amor, com muito carinho, com muita dedicação. Vê se vai prestando atenção nestas coisas pequenas, porque muitas vezes não dei a devida atenção, até subestimei, depois é que fui ver que elas também são importantes. Mais alguns conselhos. Não se preocupe em achar a garota certa. Vai levando a vida que na hora certa vai aparecer a mulher certa. E quando esta hora chegar, faça tudo para conquistá-la, rivais não irão faltar e a disputa será grande. Após a conquista, trate muito bem dela porque esta mulher vai te dar um mundo maravilhoso, começando por dois filhos fabulosos. Você tem facilidade em fazer amigos, cuide bem deles, é a grande riqueza da vida. E não esqueça de curtir muito a sua mãe, ela sempre teve um carinho especial por você. Esse negócio de ficar quase nada em casa, só de farras com amigos e garotas, pode machucar um pouco a sua mãe. Ainda assim, sempre que precisar ela vai estar presente, com o mesmo sorriso e com o mesmo carinho. Aproveite ao máximo o cafuné que diariamente ela te faz ao acordar, porque não há nada melhor neste mundo.”
Depois disso nos despedimos, ele voltou sorridente e animado para o início dos anos setenta do século 20, pois tinha muito ainda que curtir. Eu voltei com lágrimas nos olhos para o século 21, afinal, ainda que tenha mais alguma coisa para viver, certamente tenho muito mais para recordar!!
NELSON FUKAI é engenheiro, escritor e analisa questões do presente e passado da comunidade nipo-brasileira. E-mail: nelsonfukai@yahoo.com.br