Descendentes da ilha mais tropical do Japão festejam o 10º Okinawa Festival, em São Paulo, nos dias 15 e 16 de setembro, com público estimado de 30 mil pessoas
Fotos: Alinne Rezende, Heloisa Alessio, Marcel Uyeta, Shigueki Nagata e Divulgação
O bairro da Vila Carrão,em São Paulo, está tomando ares de festa, já que está às vésperas de realizar um de seus maiores eventos: o Okinawa Festival, que neste ano chega em sua 10ª edição e teve a data alterada de agosto para os dias 15 e 16 de setembro.
Com público estimado em 30 mil pessoas nos dois dias de realização, o evento deve manter a grandeza da edição anterior, que contou com nada menos do que 1 mil artistas em diversos estilos de apresentação; mais de 500 voluntários; e 130 barracas destinadas ao comércio de produtos e área de alimentação. “A festa continua com o mesmo espírito de gratidão aos brasileiros que acolheram os imigrantes de Okinawa. Por isso, uma vez por ano, convidamos toda a sociedade brasileira a festejar conosco e a conhecer um pouco mais da nossa cultura”, diz o presidente da Associação Vila Carrão, Kiyoshi Onaga. Há dez anos, o festival tinha um formato diferente do que apresenta hoje. Ele começou com a denominação de 1º Festival de Primavera Bom Odori e celebrava os 95 anos da imigração japonesa no Brasil e os 86 anos do bairro da Vila Carrão.
A partir da 2ª. edição, sob os cuidados de Tério Uehara, é que o Festival ganhou um formato mais “uchinanchu”. “Eu sugeri que a festa tivesse mais a ver com a cultura de Okinawa, e a ideia foi bem aceita. Hoje, nossa festa é a maior de cultura okinawana realizada fora de Okinawa” orgulha-se ele, que é o responsável pela parte cultural do evento.
A programação, que ainda pode ter algumas alterações até a data do evento, está recheada de atrações para todas as idades. O festival começa às 13 horas do sábado, 15, com a prática do Rádio Taissô, segue com apresentação de música e dança folclórica, artes marciais e até show de mágica. Às 17 horas haverá a cerimônia de abertura e, em seguida, por volta das 18h, apresentação de taikô. No domingo,16, aprogramação começa às 11 horas e se estende até às 19 horas, com encerramento da Banda Tontomi.
Nesta 10ª edição, o festival terá como diferencial a apresentação de uma dança folclórica de outra província japonesa, a de Tokushima, no domingo, às 14 horas. “É uma iniciativa inédita e uma tendência nos nossos eventos, já que a ideia é integrar toda a comunidade nipo-brasileira”, conta ele.
Tério adianta ainda que um dos momentos mais esperados do Festival deverá ser a apresentação dos dois maiores grupos de taikô do país, o Requios e o Matsuri daikô, já que no Okinawa Festival eles se apresentam com cerca de 500 integrantes e com coreografias inéditas. As exibições ocorrem nos dois dias de festa, sempre no fim da tarde.
O Requios, fundado pela professora Hatsuo Omine, tem dez anos de vida e conta com cerca de 100 integrantes, com idade entre5 a40 anos. Já o Matsuri Daiko, fundado há 15 anos no Brasil, conta com cerca de 500 integrantes, com idade entre 12 e 23 anos, espalhados em dez filiais por todo País.
Os dois grupos tem o estilo baseado no eisá, que era tocado nas antigas cerimônias religiosas de Okinawa, como uma maneira de cultuar os antepassados e valorizar a tradição cultural.
Um bom exemplo deste apreço dos descendentes está numa das principais publicações da comunidade okinawana no Brasil, o jornal Utiná Press, no mercado há 14 anos. “Desde pequeno acompanhava meu avô, professor de sanshin, Ryoshin Chinem pelos eventos da AOKB – Associação Okinawa Kenjin do Brasil. Fui criado no meio do palco, atrás das cortinas… Hoje, procuro cultivar as tradições e costumes de Okinawa, através do jornal e dos costumes tradicionais da família”, diz o idealizador do jornal, o publicitário Marcello Tinem, 45 anos.
A Associação Okinawa Kenjin do Brasil, com suas 40 subsedes em todo o País, é sem dúvida, a responsável por grande parte da divulgação da cultura okinawana no Brasil. À sua frente está o presidente Shinji Yonamine, uma verdadeira enciclopédia da cultura ancestral e que tem dedicado sua vida ao intercâmbio entre Okinawa e o Brasil.
Conheça, a seguir, um pouco mais sobre alguns dos importantes personagens dessa comunidade que tem na união e na devoção aos antepassados e família as suas características mais marcantes e que no Festival Okinawa compartilha destes sentimentos com toda a sociedade brasileira.
Informações
10º Okinawa Festival
Dias 15 e 16 de setembro, a partir das 13 horas
Clube Escola Vila Manchester, Praça Haroldo Daltro, s/no.
Entrada franca. Informações www.okinawafestival.com.br
Quando se fala em comunidade okinawana no Brasil não há como não lembrar de Shinji Yonamine, 62 anos. Afinal, ele é um dos maiores divulgadores da cultura aquele povo no Brasil, idealizador e intermediador de diversas iniciativas de intercâmbio e atual presidente da Associação Okinawa Kenjin do Brasil, que conta com 40 subsedes em todo o País. A lista de atividades desenvolvidas por ele em prol da comunidade okinawana é vasta, mas, só para exemplificar, ele é fundador e ex-presidente mundial da associação de Comércio internacional dos okinawanos, com 22 sedes no mundo todo; fundador e ex-presidente do grupo de bolsistas Urizun; idealizador do MIO – Memorial do Imigrante Okinawano e membro-fundador da Seisonenkai da AOKB. “Este último, para atender à necessidade de criar uma entidade de jovens, já com formação universitária, fortalecendo a sua participação junto à comunidade e criando líderes que possam se tornar presidentes de várias associações”, diz ele. Além disso, ele viaja a vários países para proferir palestras sobre cultura, tradição e religiosidade okinawana, tendo visitado países como Peru, Argentina e Bolívia. Só para Okinawa, seja a trabalho ou a lazer, ele já viajou mais de 30 vezes. Tanto empenho e dedicação resultaram em diversas homenagens, entre elas, do próprio Governo de Okinawa e da Câmara Municipal de São Paulo.
Nos bastidores dos grandes eventos
Advogado por formação e comerciante da área de cosméticos por opção, o nissei Tério Uehara, 43 anos, tem na divulgação da cultura okinawana a sua grande vocação: ele é um dos principais responsáveis pela realização dos maiores eventos da comunidade okinawanaem São Pauloe é o grande idealizador do Okinawa Festival nos moldes atuais, além de ocupar vários cargos em associações da comunidade nipo-brasileira. Assim como os demais coordenadores, Uehara faz de tudo um pouco, mas é na parte da programação artística e na captação de recursos que sua atuação é mais requisitada. “Cerca de 90% dos patrocinadores é descendente de Okinawa”, explica. A realização do evento evidencia a principal característica do povo okinawano: o espírito de coletividade, já que o Festival conta com a participação de 600 voluntários. “ Certamente, a participação nas associações e eventos contribui bastante para o fortalecimento desta identidade… Mas a educação e o exemplo de casa são fundamentais. Penso que é essencial transmitir aos mais jovens o valor da cultura, ensinar o amor e o respeito aos mais velhos e também aos ancestrais”, completa o comerciante que já viajou quatro vezes a Okinawa e diz se sentir “em casa” toda vez que tem a calorosa recepção de um “okaerinasai”.
Intercâmbio cultural
Urizun….. no dialeto Okinawa é uma palavra que pode significar “o primeiro vento da primavera, que faz florescer, faz a vida ficar mais colorida…”, esse é o nome adotado para o grupo de ex-bolsistas na província de Okinawa. Fundado em 1996, o grupo conta com 200 associados. São pessoas que tiveram o privilégio de ganhar uma bolsa de estudos na província de seus ancestrais, seja para aprender o idioma japonês, ou algum outro aspecto da cultura okinawana. Para concorrer à oportunidade, o candidato deve ser descendente de okinawanos, ser associado ou ser filho ou neto de associado da Associação Okinawa Kenjin do Brasil e ter conhecimento do idioma japonês. “Fui bolsista em 2006. Para mim, essa experiência foi única, pois além do aprendizado cultural pude fortalecer a ideia de identidade uchinanchu, compreender a riqueza da cultura peculiar de Okinawa e a importância de sua preservação”, conta o presidente do Urizun, Marcelo Matsudo, 32 anos.
Com 14 anos de existência e tiragem de quatro mil exemplares por mês, o Jornal Utiná Press se tornou referência quando o assunto é cultura e comunidade okinawana. “Na época não tínhamos nenhuma publicação exclusivamente sobre a comunidade okinawana, então o jornal nasceu para suprir esta necessidade”, explica o fundador, Marcello Tinem, 45 anos. Sediadoem São Paulo, o jornal retrata bem o espírito de união da comunidade okinawana do Brasil, já que não conta com uma equipe fixa de funcionários e sim, com colaboradores e amigos. Um jornalista fica responsável pelos artigos e pela revisão da publicação. “Acredito que essas características de união e espírito colaborativo continuam vivas na comunidade, não só no Brasil, como também em outras partes do mundo”, opina o publicitário que é filho de okinawanos e, como ele mesmo descreve, cresceu atrás das cortinas dos palcos dos eventos das associações de Okinawa.
Ao som vibrante dos taikôs
Fundado há 15 anos no Brasil, o Matsuri Daiko foi trazido ao País pelas mãos do sensei Naohide Urasaki, falecido em fevereiro do ano passado. Em território verde-amarelo, esse estilo de taikô conta com 600 seguidores, com idade entre 12 e 23 anos, divididos em dez filiais, sendo que cinco delas estão na cidade de São Paulo. As demais estão no interior paulista, no Mato Grosso do Sul, Distrito Federal e Paraná. “A predominância é de descendentes de Okinawa, mas há grande presença de nipo- descendentes de outras regiões do Japão e, nos últimos tempos, de alguns brasileiros que participam ativamente dos grupos”, diz o líder do Matsuri Daiko do Brasil, Sérgio Toshio Yonamine, 24 anos. As características fundamentais deste estilo de taikô é o eisá – que tem origem em cerimônias religiosas da ilha de Okinawa que coincidem com a época de celebração do obon (finados)- e a mescla de referências, tanto dos movimentos do karatê e do Odori de Okinawa, quanto dos arranjos modernos das músicas que atraem mais os jovens. Os integrantes se reúnem ao menos uma vez por semana para os ensaios, que aumentam em tempos de festivais, sejam eles nacionais ou internacionais. Por ano, são três as ocasiões em que praticamente todos os integrantes participam de uma mesma apresentação: Eisa Matsuri, Eisa Pageant e o Okinawa Festival.
Gigante da construção civil
O Grupo Okinalar teve sua origem na Associação Okinawa de Ferragens, criada há cerca de 20 anos. Na época, vários comerciantes do ramo de materiais para construção começaram a trocar informações e perceberam que teriam muito mais poder de compra se a fizessemem conjunto. Assim, nascia a Associação Okinawa de Ferragens, com a participação inicial de 20 comerciantes. O grupo padronizou o layout e o nome comercial para “Center Okinalar”, fortalecendo a marca e fidelizando clientes, inauguraram um Centro de Distribuição, onde comandam grande parte das operações logísticas e, abriram mais lojas dentro da rede. Hoje, são 104 unidades distribuídasem São Pauloe Grande São Paulo. A expansão, no entanto, é feita com cautela, conforme conta Ricardo Akamine, 40 anos, presidente da Associação. “Para fazer parte da rede o interessado tem de ter a validação de duas pessoas que já são associadas. Tomamos esse cuidado para manter a solidez do grupo”, explica ele.
Há dez anos era fundado o Requios Geinou Doukoukai, pela professora de odori e taikô, Hatsuo Omine, 62 anos. Na ocasião, sensei Omine viajou de São Paulo para Okinawa para conhecer os fundamentos e técnicas do grupo Requios, cuja dança tem como base as características do estilo Eisá. Hoje, o que se vê nos palcos é uma apresentação dinâmica, ao som de percussão dos tambores, e o mix do Eisá tradicional com diversas vertentes de música e dança regional, tradicionais e modernas, e, inclusive, de outras culturas. No Brasil, o Requios, que é composto por mais de 100 integrantes, com idade entre5 a40 anos, realiza cerca de 40 apresentações anuais. O grupo também já fez shows no Japão e foi consagrado com o 3º. lugar no 1º. Campeonato Mundial de Eisá, realizado durante o 5º. Uchinanchu Taikai. As duas primeiras colocações ficaram para grupos de Okinawa.
Dança clássica, popular e moderna
O palco da Associação Okinawa Kenjin do Brasil testemunhou a primeira apresentação de tantas outras que se seguiriam, do hoje professor e especialista em dança okinawana, Satoru Saito, 25 anos. “Por ser criança, não me lembro de ter ficado nervoso. Ao contrário dos dias de hoje”, relembra. Hoje, Saito realiza apresentações em eventos da comunidade nipo-brasileira, em festas particulares e, a cada dois anos, realiza um espetáculo seu. Além disso, ele mantém uma escola de dança típica Okinawa,em São Pauloe viaja à ilha, de tempos em tempos para aperfeiçoar a técnica da dança Ryukyu Buyo Ryukyu, que era o antigo nome da ilha de Okinawa. Segundo ele, o tempo de apresentação de uma dança varia entre4 a20 minutos, dependendo do estilo. “As danças surgiram como forma de entretenimento com os diplomatas chineses e, se dividem em três gêneros: clássica, popular e moderna”, explica ele. A clássica surgiu na época da corte e expressam os sentimentos femininos e masculinos. A popular surgiu na era Meiji e representa o cotidiano do povo okinawano, apresentando movimentos mais alegres. A moderna tem como diferencial as coreografias mais contemporâneas. “As apresentações de dança clássica geralmente são individuais”, conta. Outra peculiaridade diz respeito ao traje. Nas danças clássicas adotam-se os quimonos estilo Bingata. Pintados à mão são os quimonos da nobreza. Já nas danças populares, os quimonos utilizados são os Kasuri – com tecido de seda e desenhos geométricos – e o Bashoufu, feito de linha extraída da bananeira.
Tecelagem no Brás
É na região do Brás,em São Paulo, conhecida por ter uma maioria de comerciantes de origem libanesa e nordestina, que se instalou um grupo de lojistas de ascendência okinawana. O empresário do ramo de tecelagem, Tamotsu Komesu, 49 anos, é um dos pioneiros e está na região desde1986. Aatividade escolhida por ele foi a de fabricação de calças jeans que são direcionadas ao setor varejista. ‘Iniciei no ramo como representante. Mas, senti necessidade de ter uma loja para expandir as vendas, então, tive a oportunidade de conseguir um ponto e, desde 1991 tenho loja aqui na região”, conta ele.Apesar de parecer uma “mina de ouro” em vendas, o Brás, na opinião de Komesu, é uma região muito cara para se manter um ponto comercial. “A maior dificuldade é suprir os custos fixos, e o principal deles é o ponto. Além disso, tem a concorrência com os produtos importados que têm preços mais baixos do que os nacionais”, diz o empresário cuja loja conta com 12 funcionários e os produtos são vendidosem São Paulo, interior e alguns outros Estados. Um dos pontos positivos que ele destaca no comércio é a boa vizinhança, apesar de tão distintas culturas. “É uma convivência normal, como qualquer vizinho de comércio”, finaliza.