Opinião: Laços que não se rompem

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Os imigrantes japoneses que vieram para o Brasil antes da segunda guerra eram nacionalistas ferrenhos, tinham o imperador Hiroito como Deus e se achavam superiores, principalmente em relação a seus vizinhos asiáticos. Quando ficou claro que retornar rico à terra natal não passava de um sonho distante e que o imperador não era Deus, principalmente depois da derrota do Japão na segunda guerra, os imigrantes japoneses não se deram por vencidos. Já que tinham que ficar no Brasil, o negócio era formar uma comunidade forte, superior a todas as outras, usando como base a pureza racial. Tornou-se, então, uma verdadeira obsessão. Casamento interracial era terminantemente proibido e os que ousavam fugir desta regra eram marginalizados pela comunidade. A miscigenação era um mal que precisava ser evitado a qualquer custo. Para garantir a prática dos costumes nipônicos pelas gerações futuras era preciso manter a pureza racial.

Nelson FukaiNo início dos anos sessenta do século passado, quando me conheci como gente, o início da imigração já tinha mais de 50 anos, mas eram raros os casamentos mistos. Marília era uma cidade com uma grande comunidade nikkei, mas os casamentos mistos não superavam os dedos de uma mão. Quase toda a minha geração, nascida nos anos 40 e 50, já se considerava completamente integrada na sociedade brasileira, muitos mal arranhavam a língua japonesa e uma grande parcela com curso superior. Mas ainda assim os casamentos mistos entre nós (acontecidos nos anos 70 e 80) não representaram nem dez por cento. A rebeldia jovem que explodiu dos anos 60 e 70, que também nos contagiou, não foi forte o suficiente para mudar muito as c

oisas nesta questão. Para não se indispor com os pais japoneses, e também porque tinha clara preferência, a grande maioria acabou casando dentro da comunidade. Os poucos que fugiram à regra já não eram tão discriminados, mas ainda considerados diferentes.

A partir daí, os casamentos mistos foram aumentando, tornaram-se corriqueiros e acabaram sendo aceitos sem restrições. Era tanto casamento misto que muitos fizeram a previsão de que, em futuro próximo, o pesadelo dos velhos imigrantes ia se tornar realidade e que sobraria de lembrança apenas os sobrenomes japoneses. Os olhinhos puxados, os cabelos negros e lisos, o missoshiro, o bom odori, tudo isso e muito mais iria desaparecer com a prevalência dos casamentos mistos. Mas, contrariando todas as previsões, isso não vem acontecendo. Ao contrário, mesmo sem dados estatísticos oficiais, é quase certo que o percentual de casamentos mistos ainda não tenha ultrapassado a marca de 50%, com evidências que mostram tendência de queda. De forma espontânea, sem orientação ou obrigação e quase sempre sem nenhuma organização, jovens nikkeis estão se agrupando nas escolas, nos shoppings e nas baladas. Mesmo com total liberdade para optarem pelo

Sobrevivência de uma raça? Espírito de grupo, popularmente conhecido como “panela”? Complexo de superioridade? Nada disso!!! A explicação para este fenômeno é mais de sentimento do que de racionalidade. São laços inexplicáveis que não se rompem, afinal, o amor tem razões que a própria razão desconhece.casamento misto, a convivência acaba fazendo com que se decidam por um(a) parceiro(a) “japa” (como agora são denominados os nikkeis). Paralelamente, por causa disso ou em função disso, os eventos e as atividades entre nikkeis aumentaram muito nos últimos anos. Este aumento resulta em maior convivência entre jovens nikkeis e, quase que automaticamente, em mais casamentos entre eles. Daí que aumenta o número de crianças japinhas, que demandam mais eventos e atividades entre nikkeis. Esta é a roda viva que vive atualmente a comunidade nipo-brasileira.

NELSON FUKAI é engenheiro, escritor e analisa questões do presente e passado da comunidade nipo-brasileira. E-mail: nelsonfukai@yahoo.com.br.