A ação penal 470, conhecida como Mensalão, é por certo o processo de maior repercussão na mídia nacional e internacional dos últimos tempos…
A partir do clamor popular que se levantou o STF agilizou, como nunca d’antes visto, o julgamento do volumoso processo que resultou na condenação de 25 réus acusados de corrupção, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, peculato e gestão fraudulenta.
Em termos de dinheiro público desviado, o Mensalão representa uma pequenina gota d’água no mar da corrupção em que se acha mergulhado o nosso País, fazendo com que parte do dinheiro transferido por meio de tributos escorchantes desapareça diariamente pelos ralos abertos em órgãos e instituições públicas. Então por que esse clamor popular? É que o Mensalão tornou-se visível aos olhos da população por conta da institucionalização de um bando de delinquentes formado por agentes públicos e privados para cometer os crimes de início mencionados. É como o bando de Ali Babá. Os crimes muito mais graves, praticados isoladamente por este ou aquele agente quase que diariamente, não são visíveis aos olhos da sociedade que só consegue pressentir que algo de errado está acontecendo com o nosso dinheiro, por conta do mau cheiro que paira no ar. Daí a revolta e a indignação contida que foi extravasada no Mensalão, um símbolo do banditismo organizado nos gabinetes oficiais, o que causa um repúdio ainda maior da população.
Todavia, por conta do voto de desempate favorável aos réus dado no recurso de embargos infringentes pelo ministro mais idoso da Corte, o processo do Mensalão sofreu um retrocesso.
Falou-se muito no confronto entre o art. 333 do Regimento Interno da Corte que prevê aqueles embargos, e a Lei que não prevê aquele recurso. Não é tão simples assim!
Trata-se, na verdade, de saber se a Lei nº 8.038/90, que instituiu normas procedimentais perante o STF e o STJ, revogou ou não os ditos embargos infringentes.
Essa Lei silenciou sobre aqueles embargos. Logo, eles restaram tacitamente revogados pela aplicação do § 1º, do art. 1º da Lei de Introdução às Normas Gerais do Direito Brasileiro, retirando a base legal do dispositivo regimental da Corte. É verdade que a LC nº 95/98 que dispõe sobre a elaboração de normas exige a revogação expressa, mas essa Lei não tem aplicação em relação à Lei nº 8.038/90 por força do princípio “o tempo rege o ato.”
O decano do STF agiu com excessivo tecnicismo apegando-se obstinadamente a uma das possíveis interpretações, fazendo ouvido mouco aos apelos dos populares e dos colegas de toga. Fulcrou seu voto na rejeição da eliminação expressa daqueles embargos pelo Congresso, no duplo grau de jurisdição e na irrelevância do clamor popular.
Ao jurista não interessa saber da vontade do legislador, pois, elaborada e sancionada a lei ela passa a ter vontade própria devendo ser analisada segundo as regras de interpretação que não inclui a vontade do legislador. A invocação do duplo grau de jurisdição em julgamento realizado pelo Plenário da Corte não faz sentido, pois não existe um órgão acima dele. A rejeição do clamor popular é um equívoco. Por tradição, na ação penal, o clamor popular sempre exerceu influência, porque ele resulta da cidadania, um dos fundamentos do Estado Democrático do Direito (art. 1º, II da CF). Logo, o exercício da cidadania expressa direitos fundamentais que emanam da soberania popular, já que todo poder emana do povo (parágrafo único do art. 1º da CF). Logo, a soberania popular está acima do Poder Político do Estado, nele compreendido os três Poderes da República.
Como se vê, o ministro mais antigo da Corte, nos estertores de sua vida judicante perdeu a oportunidade impar de deixar registrado para a história a sua passagem grandiosa por aquela Corte Suprema, no maior julgamento dos últimos tempos.
Kiyoshi Harada é Jurista, Acadêmico, escritor e Presidente do Conselho Deliberativo do Bunkyo. Contato: harada@haradaadvogados.com.br.