De todas as asneiras que Adolf Hitler (o maior bandido da história recente da humanidade) disse e fez, ao menos numa ele acertou em cheio: a afirmação de que os germânicos eram uma raça superior. Pelo menos no futebol e até a Copa de 2018, essa é uma verdade incontestável. Mas dentro dessa brincadeira, não há dúvidas que existe alguma ou muita coisa de verdade…
Posso dizer que conheço um pouco do que é ser alemão. Nos últimos 40 anos, a pessoa com quem mais troquei ideias, confrontei opiniões, aprendi segredos da engenharia, transmiti um pouco da filosofia oriental misturada com a ginga brasileira, foi com um legítimo alemão, o engenheiro W.R. Duwe. O “W” e o “R” ficam por conta das várias consoantes seguidas que tornam os nomes impronunciáveis. Não tinha ainda 30 anos quando o engenheiro Duwe chegou ao Brasil em 1968, para trabalhar na implantação do metrô de São Paulo. Era para ficar dois anos, mas a necessidade de aprender o português terminou em casamento com a professora. Do casamento para fixar-se definitivamente no Brasil e virar são-paulino foi um pulo. Seguramente é o maior entendido em projetos de metrô no Brasil. Através deste meu grande amigo, fui aprendendo um pouco da história e do caráter do povo alemão. Como todos, comete seus deslizes, o nazismo foi o maior e mais recente, mas que, como poucos, consegue mesclar planejamento com versatilidade, ousadia com disciplina e alegria com responsabilidade.
Isso agora está provado no futebol. Algumas décadas atrás, os alemães eram conhecidos pela cintura dura. Corriam muito, tinham muita força física e até eram razoavelmente eficientes em termos de resultado, mas praticavam um futebol feio, sem criatividade. Eu sempre gozava meu amigo dizendo que eles eram melhores que os brasileiros em quase tudo, na matemática, na física, na medicina, na engenharia e na astrologia, mas no futebol, aí a vantagem era toda nossa. Até que eles mesmos acabaram reconhecendo esta verdade e fizeram uma revolução em todos os sentidos. O objetivo final era apresentar um futebol mais parecido com o brasileiro, mas mantendo a eficiência. Entrou, portanto, o planejamento, a organização e a seriedade, quesitos em que são imbatíveis. O resultado o mundo inteiro viu nesta Copa do Mundo, na qual os germânicos não só ganharam, mas aplicaram no Brasil – o país que ainda é a terra do futebol – a maior e mais estonteante goleada, jamais acontecida numa semifinal deste torneio.
O que vem acontecendo com os germânicos dentro dos campos de futebol nada mais é do que uma extensão da reviravolta que eles fizeram nos últimos setenta anos. Depois de arrasados na segunda guerra mundial, restava aos alemães utilizar o sofrimento como combustível para a recuperação econômica. Era natural, então, que durante anos ficassem conhecidos como um povo frio, caladão e de poucos amigos. Mas não demorou muito. A recuperação econômica, a unificação das partes ocidental e oriental, a melhora substancial na qualidade de vida de toda a população, a estabilidade política e a disciplina e honestidade com que o país é governado, tudo isso mudou radicalmente o humor dos alemães. Quem não conhecesse as fisionomias, por certo iria confundir a primeira ministra alemã com a presidente brasileira, na cerimônia de encerramento da Copa. Uma Angela Merkel alegre e esfuziante, distribuindo beijinhos a todos os jogadores, contrastava com uma Dilma sisuda, parecendo um ET que tinha caído de um outro mundo diretamente para a solenidade de encerramento. A alegria da primeira-ministra vinha não só do futebol, mas também da Fórmula 1, onde equipe e piloto germânicos lideram o campeonato, mas também da economia, onde o país é exceção na grave crise que assola a Europa e recentemente os EUA. Daria para citar mais outras tantas áreas onde a Alemanha se destaca no cenário internacional.
Todavia, nem tudo são flores. No mercado interno alemão pode estar ocorrendo o desabastecimento de um importante produto. Com tanta coisa para festejar, é possível que esteja faltando cerveja para comemorar. E isso é muito grave, pois, como diz o meu amigo germânico, cerveja para eles não é bebida, é alimento sagrado de todos os dias!
NELSON FUKAI é engenheiro, escritor e analisa questões do presente e passado da comunidade nipo-brasileira. E-mail: nelsonfukai@yahoo.com.br.