Saúde: Meu amigo O2

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Conheça a história de Mirna Ayumi Kajiyama, sua espera por um novo pulmão e entenda a doação de órgãos no Brasil 

Fotos Arquivo Pessoal

Você pensa em respirar? Pois Mirna Ayumi Kajiyama, só pensa em respirar! A jovem nikkei de 24 anos está na fila de espera do transplante e aguarda por um novo pulmão, que vai permitir que ela possa voltar a ter uma vida normal, sair com os amigos e familiares, voltar a faculdade e concluir o curso de Rádio e TV, e, principalmente, fazer o que todos fazem sem nem perceber: respirar, sem a ajuda de oxigênio.

Após se curar de uma leucemia na adolescência, graças à medula óssea de um doador voluntário, Mirna, mais uma vez aguarda por um gesto de amor e solidariedade de um desconhecido para restabelecer sua saúde.

Em 2011 Mirna teve os primeiros sinais da doença, que os médicos não conseguiam identificar. “Tive duas pneumonias, tratei a primeira, mas não melhorava da segunda. Então, a médica me encaminhou para um pneumologista. Esse médico me diagnosticou com uma doença chamada sarcoidose e me encaminhou para o setor de transplante do Incor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas). Mas no Instituto, após vários exames, descartaram a sarcoidose. Não existe um nome para a minha doença, os médicos só sabem que tenho muita fibrose pulmonar e uma doença pulmonar pós Transplante de Medula Óssea”, explica.

Como o pulmão de Mirna já estava bem comprometido, os médicos já avisaram sobre a possibilidade do transplante. “No começo eu tinha esperança de melhorar só com o tratamento, mas não melhorei. Como todo o processo do transplante é bem demorado, além da longa espera na fila, os médicos já me encaminharam para o transplante”, conta.

Mirna aguarda na fila do transplante há 1 ano e 8 meses, e como ela, quase 30 mil pessoas esperam por um doador compatível no Brasil, segundo dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), de dezembro de 2014. Só de rim são 18.147 pacientes, de fígado 1.304 e de pulmão 204. Mas, para o presidente da ABTO, Lucio Pacheco esse é um número subestimado. “Com certeza mais pessoas estariam na fila se tivessem um diagnóstico e tratamento correto, com indicação para o transplante. Tem muito mais pessoas na fila de espera do rim, por exemplo, porque a maioria das pessoas que precisa está fazendo hemodiálise, então é mais fácil identificar do que os outros órgãos”, revela o especialista.

Enquanto aguarda na fila do transplante por um doador compatível, a jovem faz tratamentos com remédios para controlar a doença, fisioterapia para manter os músculos e não estar fraca para a cirurgia. Além disso, tem no oxigênio seu “amigo” inseparável: “Só não uso quando estou dormindo. Como canso ao fazer esforço, durante o dia uso direto”, explica a jovem.

Para ajudar as pessoas que também esperam por uma doação, Mirna criou uma página na rede social facebook: “Meu Amigo O2”. “Tem muita gente que tem medo de fazer o transplante ou tem pouca informação a respeito e se nega a fazer e depois pode ser tarde demais, então, resolvi criar a página com depoimentos de pessoas que conseguiram, para estimular as pessoas a não perderem as esperanças”, conta Mirna. “Também quero incentivar a doação de órgãos, pois quanto mais doadores, menos tempo de espera na fila, não só de pulmão, como dos outros órgãos também”, completa. A jovem criou a página no início de junho e em menos de um mês teve 1220 curtidas. “Fiquei até surpresa com a quantidade de curtidas e compartilhamentos. Nem imaginava tanta repercussão”, revela.

A doação no Brasil

Mirna ajuda a divulgar hoje a atividade de transplante de órgãos e de tecidos que teve início no Brasil nos anos 1960, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, com a realização dos dois primeiros transplantes renais do país. De lá para cá os transplantes em terras brasileiras evoluíram no que diz respeito às técnicas, resultados e à variedade de órgãos transplantados e ao número de procedimentos realizados. “Temos centros especializados em transplantes em quase todo o Brasil, mas a concentração maior ainda é na região sudeste do País”, conta o presidente da ABTO.

Pacheco explica que o Sistema Nacional de Transplantes (SNT), criado em 1997, é o órgão responsável pelo controle e pelo monitoramento dos transplantes realizados em terras brasileiras. Atualmente, o Brasil é o segundo país do mundo em números de transplantes realizados por ano. Em 2014 foram realizados mais de 40 mil transplantes em todo o país: 67 de pulmão, 5.639 de rim, 311 de coração, 13.036 de córnea, 126 de pâncreas, 1755 de fígado, 2013 de medula óssea, e 21.681 de osso (1679 na ortopedia e 19.971 na área odontológica).

O país também tem o maior sistema público de transplantes do mundo, no qual, de acordo com o especialista, mais de 90% dos procedimentos e cirurgias são feitos com recursos públicos. “Os convênios cobrem alguns transplantes como o de rim, medula óssea e córnea”, enumera. “Nós da ABTO estamos brigando para que mais órgãos sejam incluídos nessa lista, como o de fígado, pâncreas, coração e pulmão”, revela Pacheco.

Como ser um doador

De acordo com a legislação brasileira todos somos doadores de órgãos desde que após a nossa morte um familiar (até segundo grau de parentesco) autorize, por escrito, a retirada dos órgãos. “Por isso, não basta querer ser um doador de órgãos, sua família também precisa saber”, destaca Pacheco. “Como é a família que vai autorizar a doação é muito importante que as pessoas falem sobre o assunto em casa e manifestem sua vontade de ser um doador”, esclarece.

No Brasil é possível doar em vida órgãos como rim, partes do fígado e do pulmão, “mas a legislação só permite doação em vida se o doador for marido/mulher ou parente de até 4º grau, fora disso só com autorização da justiça”, explica Pacheco. Após a morte, além do rim, pulmão e fígado é possível doar coração, pâncreas, córnea, válvulas, pele e osso. “Todo paciente em morte encefálica é considerado um potencial doador. Ele passa por uma série de exames e protocolos até ter a constatação do diagnóstico de morte encefálica, só então as Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDOs) e a família são notificadas”, aclara o especialista.

Porém, por falta de informação, muitas famílias ainda dizem não ao transplante. “Quase metade das famílias notificadas, cerca de 47%, negam a doação. Ainda falta uma cultura de doação e informação a população sobre o transplante, como esse ato pode ajudar a salvar muitas vidas, já que os órgãos são doados para pessoas diferentes, pode ajudar até 10 pacientes que esperam por anos na fila do transplante”, conta o médico.

Santa Catarina é o estado brasileiro com melhor educação e cultura para o transplante. “São cerca de 30 doações por milhão de população, sendo que a média nacional é de 14 doações. Lá, os médicos são treinados para conversar com as famílias, esperar o ‘tempo de luto’, eles têm curso de más notícias, o que faz com que eles efetivem muito mais doações”, revela Pacheco.

Para o paciente que recebe o órgão doado, esse ato de amor das famílias significa um novo começo, uma chance de continuar vivendo. “Atualmente a sobrevida após o transplante é altíssima. É muito difícil ter rejeição, temos remédios cada vez melhores, é só o paciente usar a medicação corretamente pelo resto da vida”, afirma o especialista.

De acordo com ele, o cenário ideal seria só realizar a doação pós-morte, para não colocar em risco o paciente/doador vivo, mas como muitas famílias se recusam a doar, ainda é necessário recorrer à doação em vida. Para mudar esse cenário, o especialista acredita que é preciso investir ainda mais em informação, com campanhas de conscientização, educação nas escolas, para que mais pessoas tornam-se doadores e permitam a doação de seus familiares.

O que concorda Mirna: “Acho que precisa de mais conscientização. Sei que perder alguém da família é muito doloroso, mas quando ocorre a morte encefálica, já não há mais vida, os órgãos continuam funcionando por causa dos aparelhos. Então, as pessoas têm que se conscientizar de que os órgãos doados podem salvar outras vidas”, ressalta. “Doença de pulmão é muito grave, tem muitos casos de morte das pessoas na fila, pois a espera é muito longa, e as pessoas acabam não aguentando”, enaltece a jovem que não desiste e busca na fé forças para seguir em frente e esperar a tão aguardada ligação da central de transplantes: “Para quem também espera por um transplante, não desistam, não desanimem, a batalha é difícil, mas continuem lutando por suas vidas, que a hora certa chegará, todo o sofrimento será recompensado, é só ter fé. E para a sociedade em geral, sejam doadores de órgãos, avisem seus familiares da sua vontade, muitas vidas poderão ser salvas com esse gesto”, finaliza.