Numa troca de idéias, para defender seu ponto de vista filosófico a respeito da vida, uma nikkei de aproximadamente 30 anos de idade, saiu com a seguinte explicação…
Por Nelson Fukai
“Ser nikkei não é motivo de orgulho para ninguém. Somos todos iguais, com ou sem olho puxado. Não pedi para nascer nesta comunidade, só tenho cara de japa e não acho que isso seja privilégio. Mas Deus quis assim, fazer o que? Eu não me interesso por nenhuma comunidade, faço meu trabalho sem olhar para cor, raça, religião…..”. Realmente um ponto de vista interessante e compartilhado provavelmente por um grande número de nikkeis. A grande questão é saber o quanto de sinceridade e de verdade existem nestas afirmações. Mas vamos em partes.
Ter orgulho de alguma coisa não significa obrigatoriamente que a pessoa tenha sido responsável pelo fato. Na maioria das vezes tem forte ligação ou identificação com a(s) pessoa(s) que causou o fato motivador do orgulho. O motivo do nosso orgulho não se baseia simplesmente no fato de ser nikkei, mas na trajetória de vida de nossos pais, avós e bisavós, que mesmo em condições adversas, lutaram e conseguiram sobreviver de forma digna e nos deixaram um legado de gente honesta e trabalhadora. O nikkei que não quer sentir orgulho disso, não conhece bem a história de seus ascedentes, mas tudo bem, este é um sentimento íntimo, cada um sente o que quiser.
Não somos todos iguais, a igualdade levaria a humanidade à mediocridade. Todos nós nascemos diferentes um do outro e, salvo a fase adolescente da vida, fazemos tudo para fugir da mesmice. E não dá para negar que a história dos imigrantes japoneses e seus descendentes não tenha as suas peculiaridades. Não que seja melhor ou pior, mas é diferente. Respeitar as diferenças, nisso sim todos deveriam ser iguais. E durante muito tempo os nikkeis tiveram suas diferenças desrespeitadas e foram duramente discriminados e pisoteados. Graças a Deus isso não deixou seqüelas e estamos bem integrados. Tanto que muitos nikkeis nem sabem ou nem se lembram mais das atrocidades que seus ascendentes sofreram.
Esse negócio de dizer que não pediu para nascer assim ou assado, mas que foi Deus que quis assim, mostra falta de maturidade espiritual. As pessoas que nascem em situações que possibilitam o desenvolvimento intelectual, espiritual e até material na sua passagem pela terra, deviam agradecer esta dádiva de Deus. Andam perdidos por este planeta, bilhões de miseráveis e é hipocrisia negar a “sorte” por não ter nascido entre eles. Exceções a parte, o fato de nascer nikkei é sinônimo de boa educação e de boa orientação para a vida. Se o olho puxado não vai trazer à pessoa nenhum privilégio, é quase certo que também não trará nenhum fardo injusto para carregar na sua passagem pela terra. Alguns por negligência ou por desvio de conduta acabam arrumando fardos pesados, mas aí é questão de livre arbítrio, cada um faz o que quer da sua vida e isso independe de ser nikkei ou não.
Finalmente a questão de fazer ou não parte da comunidade. Aí é questão de orientação e oportunidade. Via de regra, os descendentes mais velhos orientaram os filhos a participarem da vida em comunidade, mas não obrigaram a nada. Cada um fez a sua escolha, uns participam muito, outros pouco e outros nada. É difícil opinar sobre o que é certo ou errado. Mas passados cem anos não existem indícios de que a comunidade nikkei esteja em extinção afinal, por mais que se negue, os olhos puxados estão na cara… e em outros cantinhos!!
NELSON FUKAI é engenheiro, escritor e analisa questões do presente e passado da comunidade nipo-brasileira. E-mail: nelsonfukai@yahoo.com.br